13 DE MAIO, QUEM SOMOS NÓS NESSA HISTÓRIA?

* Rosemeire Oliveira Vaz

O mês de maio marca o outono, o mês das noivas, a preparação para as festas juninas… Mas, no século passado, mais precisamente em 1994, guardo viva a lembrança de celebrarmos uma data “especial”: o dia da abolição da escravatura.

Algum tempo depois, o grupo denominado “Movimento Negro” passou a questionar se havia de fato razões para comemorar. Afinal, seria a princesa Isabel a responsável pela libertação do povo negro escravizado? Estaria ela de fato preocupada com a violação dos direitos daqueles humanos que eram torturados, explorados e subjugados? Haveria um plano para reparar os danos causados àquele povo que sofrera não apenas fisicamente, mas também com o etnocídio recorrente da destruição e demonização de sua fé, de seus costumes, danças, culinária, etc? Quais estratégias estavam previstas para minimizar as perdas incalculáveis desde os conflitos, sequestros, trágico caminho em condições insalubres, mercado negreiro e por fim séculos de escravização?

Charge de Maurício Pestana. Fonte: https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/mauricio-pestana-136-anos-comemorar-o-que/. Acesso em 05/06/2025.

A diáspora africana, ou imigração forçada dos povos sequestrados à época da escravização, consiste em um dos períodos históricos mais vergonhosos de nossa história. O Brasil foi o último a formalizar, através da lei Áurea, o fim da escravidão. Porém, ao contrário do que aconteceu com o povo judeu que também sofrera uma diáspora ou “dispersão”, entre os séculos VI a.C (cativeiro na Babilônia) e o século XX (com as perseguições na Europa)” (MARQUES, 2019), o povo negro brasileiro ainda sofre a falta de políticas públicas e iniciativas de reparação.

Segundo o Atlas da violência de 2025, desenvolvido pelo IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), embora os dados apontem para uma redução geral dos homicídios no país, ainda há uma crescente de assassinatos de negros e negras. Quando observados os riscos relativos ao homicídio, uma pessoa negra tem 2,7 vezes mais chances de ser vítima de homicídio, do que uma pessoa não negra – aumento de 15,6% em relação a 2013. Sendo assim, o documento reforça que ainda há um tratamento diferenciado para o povo negro no Brasil, refletido principalmente no que se refere à violência. Esse recorte da violência contra negros e negras no Brasil é apenas a ponta do iceberg. Muitas sutilezas revelam que há muito ainda a ser construído para que a libertação do povo negro se efetive de fato.

Nota-se em grupos históricos, como o quilombo do Cururuquara, a resistência através da realização da 138ª festa em celebração ao 13 de maio (apesar das constantes tentativas de apagamento de sua história).

Foto da Tradicional Festa do Cururuquara em Santana de Parnaíba. Fonte: https://www.folhadealphaville.com.br/cidades/tradicional-festa-do-cururuquara-em-santana-de-parnaiba-acontece-neste-sabado-17. Acesso em 03/06/2025.
 

Em sua primeira versão, a festa durou dez dias, e o povo feliz com sua “liberdade” dançou, comeu, celebrou e ergueu uma capela à São Benedito, que existe até hoje. Apesar da representatividade histórica do local e, da cultura preservada, essa comemoração é subjugada, se comparada a eventos no mesmo município, como é o caso do drama da Paixão de Cristo e a festa de Corpus Christi. Santana de Parnaíba reflete o triste cenário do Brasil racista que ainda convivemos, onde a cultura e valores do povo negro é inferiorizada, diminuída e subjugada.

Detalhe da escultura: Monumento aos bandeirantes no município de Santana de Parnaíba (SP). Foto Filipe Miller em lançamento da I Antologia Ajeum (2025).

Assim, ainda nos deparamos com monumentos que traduzem o imaginário da animalização e inferioridade de povos africanos, como é o caso do negro que arrasta o barco na entrada da cidade de Santana de Parnaíba, no estado de São Paulo.

Em um canto da cidade celebra-se a pseudo liberdade, mas no centro, o papel do negro na perspectiva racista ainda é reforçado.

E a questão do título propõem-se a provocar:

Quem é você nessa história? No que acredita: na libertação, celebrando-a ou permanece atento às lutas ainda necessárias?

Celebremos sim! As tradições e as raras alegrias de nossos ancestrais. Preservemos a dança, a culinária, os sorrisos, a fé! Mas permaneçamos atentos/atentas, pois, como nos lembra o cartaz do Sindute (Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais), “a abolição da Escravatura: não veio do céu, tampouco das mãos de Isabel!

Cartaz produzido pelo Sindute. Fonte: https://sindutemg.org.br/noticias/13-de-maio-abolicao-da-escravatura/. Acesso em 12/05/2025).

REFERÊNCIA

MARQUES, Lorena de Lima. Diáspora africana, você sabe o que é? Fundação Cultural Palmares. Disponível em https://www.gov.br/palmares/pt-br/assuntos/noticias/diaspora-africana-voce-sabe-o-que-e. Acesso em 12/05/2025.

* Rosemeire Oliveira Vaz é Mestra em Psicologia da Educação pela PUC/SP. Graduada em Letras – Português e Inglês (IESC/SP); Pedagoga e pós-graduada em Alfabetização e Letramento (UNIJales). Empresária da educação desde 2003 (Curso IMA – Preparatório para concursos públicos e vestibulares) com desenvolvimento de materiais didáticos e formação docente. Atuou como diretora de escola efetiva da rede pública municipal por 3 anos em escolas de Educação Infantil e Ensino Fundamental 2 (2019-2022). Com experiência de mais vinte anos na área de educação (desde 2003), atua como consultora educacional . Trabalha com elaboração e adaptação de materiais didáticos e conteúdos voltados à educação, à educação em direitos humanos, à comunicação e à Educação das Relações Étnico-Raciais (ERER). É Escritora, Editora-chefe e CEO da Editora Ajeum. Diretora do espaço formativo “Rancho Oliveira Vaz”. Presidente da ONG “Culturaiz”. Diretora da “ROV-Educação e desenvolvimento”: produção de conteúdo digital formativo, palestras, formação docente, espetáculos teatrais, musicais e contação de histórias (principalmente em colégios e universidades). Professora de Língua Portuguesa na educação básica da rede pública municipal de Cajamar, desde 2023. Professora orientadora na Universidade Federal de São Paulo (UFABC) no grupo de Pesquisa Educação em Direitos Humanos (CNPq).

Contato: arederose@gmail.com

Um comentário em “13 DE MAIO, QUEM SOMOS NÓS NESSA HISTÓRIA?

  1. Texto excelente e me provocou um questionamento teórico: ade um ponto de vista de uma Sociologia da subjetividade, interessante analisar como o “normal” em uma época e lugar passa a ser intolerável em outra, resultado da evolução dos valores. Não entendemos-e até julgamos e condenamos- práticas de outras épocas (o que é próprio da mudança), como “não entendemos como foram possíveis. No futuro o que pensarão de nós que colocamos roupinhas em pets e conversamos com eles como se fossem humanos? Parabéns!

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