Educação e Direitos Humanos: breve reflexão sobre o atendimento de pessoas com Altas Habilidades/ Superdotação

* Bianca Oliveira da Silva

A educação especial, particularmente voltada para os indivíduos com altas habilidades/superdotação, é um campo que levanta questões significativas sobre o direito de cada pessoa ao acesso ao conhecimento e ao desenvolvimento pleno de seu potencial, independentemente das condições sociais, culturais ou biológicas. Por isso que neste contexto, o laudo é uma bioidentidade. A busca pela compreensão acerca do que se pressupõe sobre inclusão escolar, se baseia a partir de questionamento de que a escola é o espaço de troca entre fluxos de experiências e potenciais, quando uma atividade efetivamente é realizada com todos, se entende que os conhecimentos se adensam, isso é inclusão.  Este texto buscará traçar uma análise sobre a evolução dos direitos humanos em relação à educação especial no Brasil.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), proclamada pela Assembleia Geral da ONU em 1948, marca um momento crucial no reconhecimento dos direitos fundamentais de todas as pessoas. Em seu Artigo 26, a DUDH define que “toda pessoa tem direito à educação”, e a educação deve ser voltada para o pleno desenvolvimento da personalidade humana e para o fortalecimento do respeito aos direitos humanos. Embora o foco da declaração não tenha sido a educação especial, seu princípio de garantir a educação para todos é fundamental para o surgimento de políticas inclusivas voltadas para as diferenças cognitivas e de aprendizagem, como as altas habilidades e superdotação.

No Brasil, a educação sempre foi marcada por profundas desigualdades, com populações historicamente marginalizadas, sobretudo as pessoas com deficiência, já que sempre enfrentaram barreiras significativas no acesso à educação de qualidade. A Constituição de 1988, por exemplo, reconheceu o direito à educação para todos, sem discriminação, o que foi um marco para a inclusão das populações em situação de vulnerabilidade, incluindo as pessoas com altas habilidades e superdotação. O movimento de inclusão de pessoas cujo constructo de característica nos mostra o fenômeno da inteligência a mais, reflete um avanço significativo no reconhecimento de seus direitos.

Estigmas e diagnósticos: quem são as pessoas com superdotação e altas habilidades (SD/AH)?

Segundo a Associação Paulista para Altas Habilidades/Superdotação – APAHSD, aOrganização Mundial da Saúde- OMS indica que 5% de qualquer população tem altas habilidades/superdotação, o que significaria que cerca de 10 milhões de brasileiros vivem essa condição. No entanto, o que se questiona é como são identificadas essas pessoas, ou se todas realmente conseguem ser reconhecidas. No contexto escolar, há pouca formação, circulação de informações e materiais sobre como podemos verificar e encaminhar um estudante com essas características. O desafio, no entanto, vai muito além dessa indicação. O diagnóstico em si, apenas estigmatiza. O que a escola precisa é uma abordagem que adense as práticas pedagógicas para que se inclua de fato esses estudantes ao contexto escolar.

            Segundo a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008), as pessoas com altas habilidades/superdotação constituem público-alvo da Educação Especial, sendo assim caracterizados:

alunos com altas habilidades/superdotação demonstram potencial elevado em qualquer uma das seguintes áreas, isoladas ou combinadas: intelectual, acadêmica, liderança, psicomotricidade e artes, além de apresentar grande criatividade, envolvimento na aprendizagem e realização de tarefas em áreas de seu interesse”.

Assim definidos, a educação pela perspectiva dos direitos humanos orienta que eles devem ter um Atendimento Educacional Especializado (AEE); necessitam de um Plano Educacional Especializado (PEE); além da suplementação de atividades que vão além do que é visto na sala de aula regular, essa adaptação curricular, inclui o enriquecimento e diversificação dos conteúdos. Em determinados casos, de acordo com o que se indica pela equipe pedagógica, junto com a análise clínica e apoio familiar, é que esse estudante também tem o direito de uma aceleração para conclusão do ciclo escolar.

Concepções de inteligência: um campo em disputa

De acordo com as bases normativas da Educação Especial na cidade de São Paulo, de acordo com o caderno de Orientações para atendimento de estudantes: altas habilidades/superdotação – São Paulo COPED, 2021 há dois teóricos que descrevem a inteligência de formas distintas, porém complementares. O primeiro teórico que baseia a inteligência de acordo com os documentos municipais é Joseph Renzulli, que é um psicólogo educacional dos Estados Unidos.  Ele é o Professor Emérito do Conselho de Administração da Neag School of Education da Universidade de Connecticut. Sua produção vai muito além da definição acerca dos que se compreende sobre SD/AH na atualidade, ele é autor de uma série de sistemas tanto de identificação, como de aplicabilidade educacional do currículo escolar adaptado aos superdotados.

 Essa teoria expressa a marca da inteligência por três traços, são estes: Comprometimento com a tarefa; a Criatividade e a Habilidade acima da média.  Essa é uma forma ilustrativa de sua teoria:

Fonte: Associação Nacional para o Estudo e a Intervenção na Sobredotação (ANEIS) de Portugal. Disponível em https://www.iffarroupilha.edu.br/ultimas-noticias/item/17435-iffar-promove-bate-papo-ao-vivo-sobre-altas-habilidades-superdota%C3%A7%C3%A3o. Acesso em21/03/2025.

Há também a teoria das Inteligências Múltiplas de Howard Gardner, esta teoria aborda esse conceito de acordo com o que se descreve nas obras As Estruturas da Mente e As Teorias das Inteligências Múltiplas. Essas se referem à inteligência por um viés de multiplicidade, entendendo que elas podem ser analisadas e definidas por diversas habilidades ou por meio das combinações entre elas.

Tipos de Inteligências Múltiplas. Fonte: https://keeps.com.br/inteligencias-multiplas-o-que-e-e-como-aplicar-a-teoria-de-gardner/. Acesso em 21/03/2025.

No Brasil, o interesse por definir, analisar, pesquisar e aferir a inteligência, é questão relevante no transcorrer de quase todo o século XX e é constantemente atualizada neste momento histórico em que nos abrimos ao complexo desafio da Educação Inclusiva. É também uma questão de expressiva circulação internacional, visto que este tema, tem sido produzido há muito tempo. É importante ressaltar que a medida em questão também considera toda a apresentação física do indivíduo analisado. A referida concepção trazia uma defesa de que certos atributos eram adotados ou não, em detrimento de um determinismo biológico. A asserção de que traços físicos e psicológicos do ser humano são definidos por constructos étnicos inerentes às raças, nacionalidades ou quaisquer outros grupos específicos que se origina ou é pertencente, são também critérios desta investigação que afere o conceito de padrões de medidas.  Deste modo, refletir sobre os direitos humanos é de fundamental importância, visto que o início do que identificamos hoje acerca do que é discriminação, estigmatização e preconceito vem desta concepção.

A inteligência já foi mensurada a partir do tamanho do crânio de seres humanos, vivos e mortos, a chamada craniometria, que já foi a grande joia científica do século XIX. Por conseguinte, os testes de Quociente de Inteligência (QI), inicialmente elaborados por Binet-Simon, ainda são aplicados para fins de medida psicométrica e estigmas sobre a possível capacidade cognitiva de tantas pessoas que ingenuamente acreditam que estes deliberam realmente suas potencialidades. Portanto, é por meio da DUDH que podemos compreender as diferenças e desigualdades, através de reflexões que visam identificar recursos para pensar adensamente.

Referências:

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988.

BRASIL. Lei nº 9.394. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 20 de dezembro de 1996.

BRASIL. Lei nº 10.172. Plano Nacional de Educação, de 09 de janeiro de 2001.

BRASIL. Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Especial, 2008.

GARDNER, Howard. Estruturas da mente: a Teoria das Inteligências Múltiplas. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1994.

GARDNER. Inteligências múltiplas: a teoria na prática. Tradução de Maria Adriana Veríssimo Veronese. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração Universal dos Direitos Humanos, 1948.

RENZULLI, J. S. O que é esta coisa chamada superdotação. Porto Alegre: Revista Educação, ano XXVII, nº 1 (52), p. 75-131. Jan./ abril.  2004.

SÃO PAULO (SP) Secretaria Municipal de Educação. Coordenadoria Pedagógica. Orientações para atendimento de estudantes: altas habilidades/superdotação. – São Paulo: SME/COPED, 2021

Bianca Oliveira da Silva possui graduação em Pedagogia pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FEUSP), é mestranda em Educação pela Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade Federal de São Paulo (EFLCH/UNIFESP). Participa do grupo de estudos do projeto EDUCINEP: Educação Inclusiva na Escola Pública. E professora titular de Educação Infantil e Ensino Fundamental I na rede municipal de educação de São Paulo, desde 2010. 

6 comentários em “Educação e Direitos Humanos: breve reflexão sobre o atendimento de pessoas com Altas Habilidades/ Superdotação

  1. Gostei muito. O traballho contribui para reflexões necessárias acerca do debate sobre políticas educacionais produzidas e realizadas à luz do que preconiza os direitos fundamentais à educação de qualidade.

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  2.  Excelante, aborda a importância de reconhecer e atender adequadamente as necessidades educacionais de indivíduos com altas habilidades ou superdotação e, ainda destaca que a educação deve ser inclusiva e respeitar os direitos humanos, promovendo um ambiente que valorize as potencialidades desses alunos.

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