** Profa. Silmar Leila dos Santos
Não é de hoje que a Coluna do Grupo de Pesquisa Educação em Direitos Humanos/UFABC, defende que a Educação em Direitos Humanos deve ser ampliada, o quanto mais for possível, principalmente na formação docente inicial e continuada e, neste artigo, não será diferente! No entanto, a reflexão posta para hoje, tende a retomar não somente a Educação em Direitos Humanos, mas, resgatar uma questão anterior: como garantir que a EDUCAÇÃO continue sendo considerada como um DIREITO HUMANO, diante do número crescente de ataques aos educadores? Será que as novas gerações estão dispostas a se dedicar a uma profissão tão pouco valorizada socialmente? Será que os docentes atuais estão dispostos a continuarem a ser ofendidos e, por vezes agredidos, por diferentes representantes sociais? Eis algumas questões que vão nortear este artigo!

Fonte: https://educacaocamaqua.com.br/noticia/870/15-de-outubro-dia-do-professor. Acesso em 05/11/2023.
Há menos de um mês, mais especificamente no dia 15 de outubro, comemorou-se o dia do(a) Professor(a). Data esta que, como muitos já sabem, são divulgadas inúmeras homenagens aos professores e professoras, seja por meio de bilhetes encaminhados pelos próprios estudantes; seja por meio de algum presente ou “lembrancinha” encaminhada pelos responsáveis desses estudantes; seja via redes sociais – tipo de homenagem implementada após o advento da internet. O fato é que, se você é um professor ou professora, será lembrada deste fato, durante o mês de outubro.
Contudo, as homenagens e reconhecimento profissional dos educadores brasileiros tende a se concentrar APENAS no dia 15 de outubro de todos os anos, quiçá na semana do dia 15, isso porquê trata-se também da semana em que se comemora o “dia das crianças” (12 de outubro), o que tende a fazer deste período, entre os dias 10 e 15 de outubro, dias festivos, em grande parte das escolas de educação básica no Brasil.
No entanto, a profissão docente, como muitas outras profissões, não recebe uma remuneração condizente com a importância que tem para a sociedade. Dados do INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Anísio Teixeira), referentes ao ano de 2020, descrevem a seguinte situação:
A remuneração média bruta da rede municipal, maior rede de ensino, com atuação majoritária na educação infantil e ensino fundamental, foi de R$ 3.580 em 2020, apresentando alguma variação entre as diferentes redes municipais, já que 25% dos docentes ganhavam menos de R$ 2.288 e, para outros 25%, a remuneração bruta superou R$ 4.422.
Considerando a carga horária média de 29,2 horas semanais da rede municipal, a remuneração média padronizada para um contrato de 40 horas semanais foi de R$ 4.897 em 2020, um crescimento de 12,7%, se comparado a 2014, quando o valor corrigido pela inflação era de R$ 4.346.
Já na rede estadual (segunda maior rede de ensino, que atua predominantemente no ensino médio) a remuneração média padronizada (40h/semana) apresentou relativa estabilidade entre 2014 e 2020, passando de R$ 4.848 para R$ 4.947 em 2020. A remuneração média padronizada (40h/semana) da rede privada apresentou ligeira queda (2,5%) no mesmo período, chegando a R$ 3.534 em 2020.
Fonte INEP – Indicador mostra remuneração de docentes da educação básica.
Publicado em 27/07/2023. Disponível em https://www.gov.br/inep/pt-br/assuntos/noticias/censo-escolar/indicador-mostra-remuneracao-de-docentes-da-educacao-basica. Acesso em 05/11/2023.
Importante ressaltar que, mesmo com a criação do piso salarial para professores, O MEC (Ministério da Educação), não tem o papel fiscalizador, sendo assim, muitos municípios e alguns estados, ainda não cumprem tal legislação.
Tal desvalorização monetária, partindo principalmente das gestões do poder público de diferentes regiões brasileiras, tem causado impacto para além dos docentes atuais, é o que descreve uma pesquisa realizada pelo Sindicato das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos de Ensino Superior no Estado de São Paulo (SEMESP), que, com base na análise de dados ofertados pelo INEP, aponta que “em 2040, o Brasil sofrerá com a falta de 235 mil professores de educação básica”. Sendo apontado como o principal motivo desta previsão, o desinteresse dos jovens em seguirem a carreira docente. Ainda segundo este estudo, descrito no site da Uniasselvi: Graduação e Pós-Graduação:
o número de ingressantes em cursos de licenciatura foi menor do que no restante do ensino superior. No período de 2010 a 2020, o aumento em graduações na área de ensino foi de 53,8%, enquanto em outros campos foi de 76%.
Fonte Site Uniasselvi, em 21/12/2022.
Disponível em: https://portal.uniasselvi.com.br/noticias/educacao/pesquisa-aponta-falta-de-235-mil-professores-no-brasil-em-2040. Acesso em 05/11/2023.
Outra questão apontada pelo estudo, que tem dificultado a vida profissional dos docentes, é a distância geracional entre estudantes da educação básica e seus professores. Ou seja, enquanto as novas gerações chegam com cada vez mais disposição, os docentes estão ficando cada vez mais velhos:
Entre 2009 e 2021, o número de professores em início de carreira, com até 24 anos de idade, caiu de 116 mil para 67 mil […]. Ao mesmo tempo, a porcentagem de docentes do ensino básico com 50 anos ou mais cresceu 109% no mesmo intervalo de tempo.
Fonte Site Uniasselvi, em 21/12/2022.
Disponível em: https://portal.uniasselvi.com.br/noticias/educacao/pesquisa-aponta-falta de-235-mil-professores-no-brasil-em-2040. Acesso em 05/11/2023.

Fonte: https://m.leiaja.com/carreiras/2018/06/29/profissao-professor-desafios-dos-educadores-brasileiros/. Acesso em 05/11/2023.
Atrelado à desvalorização salarial, enfrentada pelos docentes da educação básica, está também o não reconhecimento de grande parte da sociedade, quanto a importância desta profissão para a formação das novas gerações. Situação que se coloca explícita pelos meios de comunicação que, frequentemente expõe manchetes do tipo:

Disponível em https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/para-70-dos-professores-agressividade-de-alunos-aumentou-apos-volta-presencial/#:~:text=A%20maioria%20dos%20casos%20contra,mencionada%20por%207%25%20dos%20professores. Acesso em 05/11/2023.

Disponível em https://g1.globo.com/educacao/noticia/2023/03/27/brasil-tem-historico-de-alto-indice-de-violencia-escolar-veja-dados-sobre-agressao-contra-professores.ghtml. Acesso em 05/11/2023.

(Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil), de 06/06/2022.
Disponível em https://atricon.org.br/problemas-de-infraestrutura-nas-escolas-afetam-pelo-menos-147-milhoes-de-estudantes/. Acesso em 05/11/2023.
Eis aí caro/cara leitor/leitora, algumas das manchetes mais recentes sobre as condições das escolas brasileiras, com seus respectivos links, para que você possa fazer a leitura das mesmas e, tirar suas próprias conclusões, sobre como cada um desses veículos de comunicação está descrevendo a realidade das escolas brasileiras.
E COMO VÃO AS COISAS NO ENSINO SUPERIOR?
Apontar questões referentes à realidade das escolas de educação básica não costuma gerar constrangimento à grande maioria dos brasileiros e brasileiras. Pelo contrário, acredito que, pelo fato de todos (ou a grande maioria!) já terem adentrado em uma escola, há uma sensação de “pertencimento” a rotina escolar. O que promove uma espécie de “autorização” pública para que qualquer cidadão ou cidadã possa expor sua opinião sobre a atividade docente. Fato que é facilmente perceptível nas portas das escolas (principalmente de escolas públicas), mas também nos mais diferentes setores da imprensa, bem como por parte de representantes políticos que, por vezes, tendem a rotular os professores com adjetivos dos mais estranhos e, até em realizar comparações das mais esdrúxulas. Segue exemplo:

Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=6XBfY3Z8_Dc. Acesso em 05/11/2023.
Também, no que se refere ao ensino superior, os ataques à figura dos professores, infelizmente, vêm sendo registrado com maior frequência, principalmente nos últimos anos.
Cito aqui dois casos que considero de grande relevância e, consequentemente, enorme preocupação.
O primeiro deles se refere ao Prof. Dr. Michel Gherman, que leciona Sociologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e, que no dia 11 de outubro de 2023, ao participar como convidado de um debate sobre o atual conflito entre israelenses e palestinos, na PUC/Rio, foi agredido verbalmente e desrespeitado em público, por um grupo de estudantes. Segue registro da fala do professor, sobre o ocorrido:
“Ontem, vi o fascismo no olho. Um dos elementos fundamentais é entender que a extrema-direita produz a perda da empatia, que o outro precisa ser destruído, acabado, calado. Quando percebi que não havia empatia pelo que estava falando, entendi que estava falando com o fascismo. Nesse sentido, minha função como pesquisador é pensar como o fascismo afeta a vida dos nossos jovens e evitar que o que aconteceu na PUC se estenda a mais lugares”.
Michel Gherman, professor de sociologia da UFRJ, em entrevista ao Portal Notícias Uol.
Disponível em https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2023/10/11/vi-fascismo-no-olho-diz-professor-que-deixou-debate-na-puc-sobre-o-hamas.htm. Acesso em 05/11/2023.
Identifica-se a gravidade desta ocorrência, uma vez que, diferentemente do que costuma acontecer nas salas de aula de escolas públicas periféricas de todo o Brasil, tal agressão se manifestou de maneira explícita, gravada e divulgada nos mais diferentes meios de comunicação e pela internet.
Outro ponto a ser destacado é de como o professor descreve tal ato de agressão e, sem titubear, o denomina de ataque fascista, ou seja, pautado no ódio, na intolerância e na violência.
Além deste ataque absurdo a um professor universitário, se faz necessário registrar também o caso de racismo, sofrido pela Profa. Dra. Glaucia Aparecida Vaz, nas dependências da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRG), por um aluno.
Segundo o Site G1, a professora expôs que o caso ocorrera no mês de julho de 2023, quando ela estava chegando à Universidade e foi abordada por um de seus alunos, que alegava não estar contente com a nota recebida em uma avaliação aplicada pela professora. Descontente, ele teria proferido ofensas racistas à professora, alegando que ela:
“Não sabia qual era o lugar dela”.
E chegou a ameaçá-la, dizendo que ela:
“Continuaria sendo perseguida e odiada”.

Disponível em https://gauchazh.clicrbs.com.br/educacao/ensino-superior/noticia/2023/10/ufrgs-instaura-processo-disciplinar-para-investigar-aluno-por-suspeita-de-racismo-contra-professora-clnuvsz4d00i9016szhykuzaa.html. Acesso em 05/11/2023.
Creio que estes poucos exemplos já nos é suficiente, para identificarmos que a possível ausência de profissionais docentes, num futuro próximo no Brasil, precisa passar a ser uma demanda urgente de debate público e de políticas educacionais que prezem pela valorização docente nas mais diferentes instâncias, a começar por uma formação inicial e continuada de qualidade, e que esteja pautada na Ciência e na Educação em Direitos Humanos. Além disso, é fundamental que haja um processo de ampliação da valorização salarial dos profissionais docentes, para além do piso salarial. Acredito e defendo, como docente que está no “chão” da sala de aula da educação básica, há 23 anos e, também como pesquisadora e docente do ensino superior há 18 anos, que é necessário repensar a jornada de trabalho dos docentes; que se formule e se implemente um plano de carreira nacional, de modo a valorizar a carreira docente para além da prática, incentivando também a reflexão sobre esta prática, por meio da pesquisa. É necessário rever o tempo da docência para efeito de aposentadoria, considerando a intensidade da entrega mental e física realizada pelos docentes para a formação das novas gerações. E, principalmente, é preciso que a docência seja socialmente valorizada como PROFISSÃO e, que como tal, não pode ser atacada, sob nenhuma hipótese, da forma que exemplificamos neste artigo.

História, Política, Sociedade pela PUC/SP; possui licenciada em História.
É Profa. Titular de História no Ensino fundamental II e Médio na rede municipal de educação de São Paulo, desde o ano 2000. Atua na formação docente desde 2006, lecionando as disciplinas de História da Educação, Sociologia da Educação, Filosofia da Educação, Antropologia e Educação, Currículo, Políticas educacionais e Educação em Direitos Humanos. É integrante do Grupo de Pesquisa CNPQ Educação em Direitos Humanos/UFABC; professora colaboradora do Projeto Africanidades/UFABC e organizadora da Coluna do Grupo de Pesquisa Educação em Direitos Humanos da UFABC na Revista ContemporArtes.
Contato: professorasilmarleila@gmail.com

Parabéns professora Silmar pelo excelente artigo, muito bem fundamentado!
Muito importante divulgar e discutir todo o seu trabalho, que traz grande contribuição para estudos e atividades de formação na área da Educação
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Prezada Excelentíssima Profa. Mercês,
Seu comentário me é de valor inestimável, pois registra o reconhecimento de meu singelo trabalho, por parte de uma professora e pesquisadora de enorme referência para educação brasileira contemporânea. Sigo imensamente agradecida! Profa. Silmar Leila.
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