INDICAÇÕES DE LEITURAS PARA ADEQUAÇÕES HISTORIOGRÁFICAS: OS 80 ANOS DO FIM DA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL (1937/1939-1945) E ASPECTOS DO CONTEXTO ÁSIA-PACÍFICO

* Alfredo Oscar Salun

A derrota final das forças do Eixo ocorreu com a rendição da Alemanha, em maio de 1945 e do Japão, em setembro do mesmo ano, principais forças militares que faziam parte desse grupo. Apesar da escala global da Segunda Guerra Mundial o front Europeu (incluso o Mediterrâneo e Atlântico) recebeu no Brasil maior atenção em detrimento dos teatros de operações na Ásia-Pacífico. Isso pode ser explicado pela importância da Guerra Fria e a disputa por hegemonia entre URSS e EUA que tiveram como inimigo a Alemanha Nazista que encarnaria a principal potência militar do Eixo. Entretanto o poderio bélico japonês foi similar ao alemão, ao verificarmos que para sua expansão foi necessário o transporte de tropas, equipamentos e suprimentos, por via marítima, que por si só, exigia uma organização, produção econômica/industrial e planejamento estratégico.

Tal posicionamento não desconsidera a relevância soviética na derrota da Alemanha e seus parceiros no leste europeu. Contudo, é fundamental reconhecer que Itália e Japão representaram adversários significativos em outras frentes, dentre as quais estou me debruçando sobre a Ásia-Pacífico e a contribuição chinesa na luta contra o Eixo, especificamente o Japão. Também, não se pode negligenciar o esforço conjunto da Grã-Bretanha, Estados Unidos, URSS, China e dos países invadidos pelo Eixo, bem como a importância dos movimentos guerrilheiros e das colônias na Ásia e África. É nessa dimensão global e multifacetada que o pesquisador deve se aprofundar. Segue um breve apanhado historiográfico com o objetivo de estimular a reflexão.

O Contexto Ásia-Pacífico

Desde os anos 1990 parte da historiografia tem proposto o início da Segunda Guerra Mundial a partir da agressão japonesa a China em 1937 que se entrelaçaria com o cenário europeu em 1939, quando a Polônia foi invadida pela Alemanha. Historiadores chineses e sinólogos defendem a valorização do papel chines na luta contra o fascismo, como Chen Qianping e Lu Weijun no artigo 第二次世界大战视阈下国际反法西斯战争的东方主战场 (O principal campo de batalha oriental da guerra internacional antifascista da perspectiva da Segunda Guerra Mundial):

A Segunda Guerra Mundial foi desencadeada pelas guerras agressivas lançadas pelo Japão e pela Alemanha na Ásia-Pacífico e na Europa, respectivamente, e, portanto, teve duas origens. O campo de batalha chinês foi formado após a eclosão da guerra de resistência em larga escala contra o Japão em 1937. A Guerra de Resistência Chinesa contra a Agressão Japonesa efetivamente restringiu a intenção estratégica do Japão de alcançar uma vitória rápida e forçar a China a se render, e atrasou a guerra de agressão em larga escala do Japão na região da Ásia-Pacífico (2024, p. 2).

Tropas chinesas do Exército Nacional Revolucionário disparam contra posições japonesas durante a Batalha de Changde, Hunan, novembro de 1943. Fonte: Pictures from History/Getty Images: https://veredapopular.org/2025/09/08/a-guerra-mundial-esquecida-da-china-o-ocidente-tem-muito-a-aprender/. Acesso em 21/11/2025.

Portanto, o modelo de análise unilateral que privilegia EUA ou URSS (com uma disputa ideológica em torno do Dia D ou Batalha de Stalingrado), que vigorou na Guerra Fria há muito tempo foi contestado pela historiografia mais abrangente, um exemplo interessante é o livro World War II Re-Explored (A Segunda Guerra Mundial Reexplorada), organizado pelos professores Jaroslaw Suchoples, Stephanie James e Barbara Törnquist-Plewa, que oferece uma perspectiva ampla e  conectada a esse mundo globalizado, por explorar uma diversidade de situações, espaços geográficos e localidades usualmente não retratadas no Brasil. Outro mérito foi trazer ao público, uma gama de quarenta e cinco acadêmicos de diferentes países, dos quais acabei fazendo parte escrevendo sobre a Forca Expedicionária Brasileira (FEB).

Capa do livro World War II Re-Explored.
Fonte: https://www.amazon.com/World-War-II-Re-explored-Millenium/dp/363177740X. Acesso em 21/11/2025.

A coletânea Re-examining Asia-Pacific War Memories: Grief, Narratives, and Memorials (Reexaminando as memórias da guerra da Ásia-Pacífico: luto, narrativas e memoriais), organizada por Justin Aukema, Daniel Milne, Mahon Murphy e Ryota Nishino, apresenta treze ensaios que reexaminam as memórias da Guerra na Ásia-Pacífico. Este livro originou-se de uma conferência realizada em 2020, no Centro para Pesquisa de Estudos Japoneses, em Kyoto. A obra adota uma perspectiva global e diversificada, analisando criticamente o emprego da memória por parte dos Estados. Simultaneamente, defende a relevância do diálogo acerca da natureza transnacional das memórias da Guerra Ásia-Pacífico (1931-1945).

Recém-publicado no Brasil, o livro Blood and Ruins: The Last Imperial War, 1931-1945 (Sangue e ruínas: A última guerra imperial, 1931-1945), merece destaque pelos elogios que recebeu da crítica. Escrito pelo historiador britânico da Universidade de Exeter Richard Owery, que aborda o conflito como uma disputa entre impérios. Aponta para a invasão japonesa da Manchúria, em 1931, como o início da guerra asiática que eventualmente se fundiu com a guerra de 1939 na Europa.

Capa do livro: Blood and Ruins: The Last Imperial War, 1931-1945. Fonte: https://www.amazon.com.br/Blood-Ruins-Last-Imperial-1931-1945/dp/067002516X. Acesso em 21/11/2025.

Com um título instigante, o livro Forgotten Ally: China’s World War II, 1937–1945 (O Aliado esquecido: a Segunda Guerra Mundial da China, 1937–1945), do historiador britânico Rana Shantashil Mitter, analisa o sacrifício do povo chinês durante o conflito e reforça a tese que a Segunda Guerra Mundial se iniciou em 1937, dois anos antes de Hitler invadir a Polônia, quando tropas chinesas entraram em confronto com os ocupantes japoneses.

Capa do livro Forgotten Ally: China’s World War II, 1937–1945.
Fonte: https://www.amazon.com.br/Forgotten-Ally-Chinas-World-1937-1945/dp/0544334507. Acesso em 21/11/2025.

O clássico 中华民族抗日战争全史 (A História completa da Guerra de Resistência da Nação Chinesa contra o Japão), organizado pelos professores Bu Ping e Rong Weimu, se concentra principalmente na questão chinesa em todos aspectos. E, completo com o volume três da coletânea The Cambridge History of the Second World War (A História de Cambridge da Segunda Guerra Mundial), organizado por Michael Geyer e Adam Tooze, que aborda o conflito em diversos continentes.

Na China, a Guerra de Resistência do Povo Chinês Contra o Japão (中国人民抗日战争) ou Guerra Anti-Japonesa (抗日战争) enfatiza a luta do povo chinês contra a agressão japonesa e a ocupação de seu território, conforme descreve o Professor Mo Tian que leciona Estudos Japoneses na Anshan Normal University/China. O texto se dedica a questão da memória no discurso estatal/oficial chinês no texto The Legacy of the Second Sino-Japanese War in the People’s Republic of China: Mapping the Official Discourses of Memory (O legado da Segunda Guerra Sino-Japonesa na República Popular da China: Mapeando os Discursos Oficiais da Memória).

Comumente o embate China/Japão (1937-1945) recebeu a denominação de Segunda Guerra Sino-Japonesa e o conflito se espalhou pela região após o ataque a Pearl Harbor, em dezembro de 1941, quando a invasão japonesa e a luta anticolonial se intercalaram em diversos países. A propaganda japonesa sobre a construção de uma Grande Esfera de Co-Prosperidade do Leste Asiático contra a influência europeia foi aceita inicialmente e utilizada como argumento para cooptação de apoiadores entre os povos colonizados. Sobre isso, o autor Jeremy Yellen que leciona História Moderna do Japão na Chinese University of Hong Kong com o livro The Greater East Asia Co-Prosperity Sphere: When Total Empire Met Total War (Grande Esfera de Co-Prosperidade do Leste Asiático) estuda o duplo papel do expansionismo japonês que se apresentava como líder de uma frente anticolonial e antiocidental, mas que na prática se comportou de forma opressora. 

No Japão, a denominação do conflito se alterou ao longo do tempo como explicam em entrevista Yoko Kato, Hando Kazutoshi e Hosaka Masayashu sobre o livro 太平洋戦争への道 1931-1941 (Estrada para a Guerra do Pacífico 1931-1941). Originalmente foi chamada de Grande Guerra do Leste Asiático em função do propósito de criar a Grande Esfera de Co-Prosperidade do Leste Asiático, mas com a derrota as forças americanas obrigaram os jornais locais a se referirem como Guerra do Pacífico.

Portanto, temos muito que aprender sobre o conflito mundial e entender como se desenrolou na Europa, África, Ásia e nas Américas. Devemos aproveitar a internet para acessar uma série de museus e acervos com material disponível digitalmente na China, Japão, EUA, Coréia do Sul, Austrália, Taiwan e demais países envolvidos.

Bibliografia

AUKEMA, Justin; MILNE, Daniel; MURPHY, Mahon and NISHINO, Ryōta (Ed). Re-examining Asia-Pacific War Memories: Grief, Narratives, and Memorials. Asia Pacific Journal: Japan Focus. Volume 20, Issue 10, Number 1. 2022. Disponível em: https://apjjf.org/2022/10/toc. Acesso em 21/11/2025.

CHENG, Anne et KUMAR, Sanchit (Ed.) Historians of Asia on Political Violence. Paris: Collège de France, 2021. Disponível em: https://doi.org/10.4000/books.cdf.11180. Acesso em 12/10/2024.

FRANK, Richard. Tower of Skulls – A History of the Asia Pacific War: July 1937 to May 1942. New York. WW Norton e Company, 2020.

HAIPENG, Zhang. 第二次世界大战历史的宏观反思 (Macro Reflexões sobre a História da Segunda Guerra Mundial). Rede de História do Partido Comunista Chinês. Xinhuanet. 27 de agosto de 2015. Disponível em: http://www.xinhuanet.com/politics/2015-08/27/c_128172976.htm. Acesso em 21/11/2025.

NAKASATO, L., KURODA, K. Asianism: Continuity and Divergence in Japan’s Foreign and International Cooperation Policy. In: Sato, J., Kim, S. (Eds) The Semantics of Development.In Asia: The University of Tokyo Studies on Asia. Springer, Singapore. 2024. Disponível em https://doi.org/10.1007/978-981-97-1215-1_5. Acesso em 12/06/2023.

OWERY, Richard. Blood and Ruins: The Last Imperial War, 1931-1945. New York. Publisher Viking, 2022.

PING, Bu e WEIMU, Rong (eds). Zhonghua minzu kangRi zhanzheng quanshi (华民族抗日战争全史). Pequim. Zhongguo Qingnian Chubanshe, 2011.

SUCHOPLES, Jaroslaw; JAMES, Stephanie and TORNQUIST-PLEWA,  Barbara (Eds.). World War II Re-Explored. Berlin, Peter Lang, 2019.

  TIAN, Mo. The Legacy of the Second Sino-Japanese War in the People’s Republic of China: Mapping the Official Discourses of Memory.i In: Justin Aukema, Daniel Milne, Mahon Murphy and Ryōta Nishino (ed). Re-examining Asia-Pacific War Memories: Grief, Narratives, and Memorials. Asia Pacific Journal: Japan Focus. Volume 20, Issue 10, Number 1. 2022. Disponível em: https://apjjf.org/2022/10/toc.   Acesso em 13/07/2025.

YELLEN, Jeremy. The Greater East Asia Co-Prosperity Sphere: When Total Empire Met Total War. Ithaca (New York), Cornell University Press, 2019. Disponível em: https://books.google.com.br/books?id=6OKEDwAAQBAJ&printsec=copyright&redir_esc=y#v=onepage&q&f=false. Acesso em 23/10/2024

ZEPING, Pan. 世界反法西斯战争东方主战场的中国贡献 (A contribuição da China para o principal campo de batalha no Leste do Mundo Guerra Antifascista). Editor responsável: Liu Junling. Fonte: Rede Militar da China – Diário do Exército de Libertação Popular. 2025-06-05. Disponível em: http://news.china.com.cn/2025-06/05/content_117912081.shtml. Acesso em 23/10/2025.

* Doutor em História Social pela FFLCH/USP; Mestre em História (Ensino e Educação) pela PUC/SP e Licenciatura Plena em História/Estudos Sociais. Possui sólida experiência docente no ensino superior e educação básica. Autor dos livros: Corinthians e Palestra Itália: Futebol em Terras bandeirantes (Todas as Musas, 2015), Zé Carioca vai a Guerra (Editora Pulsar, 2004), Revolucionários e tiranos: temas de Historia Contemporânea, Editora Todas as Musas (2011); co-autor: Logística Reversa, sustentabilidade e educação, Editora Todas as Musas (2013) e capítulo sobre a Força Expedicionária Brasileira in World War II Re-explored. Berlim. Peter Lang, 2019 e co-autor do capítulo Aspects of Brazilian Culture during the Military Dictatorship and the Cold War na coletâneaThe Cold War Re-Called: 21st Century Perceptions of the Worldwide Geopotical Tension (Peter Lang, 2024), além de diversos artigos na área de História e Educação. Como professor atuou nas instituições PUC/SP, Anhanguera e UniABC, nesta desenvolveu diversas atividades entre 1996 e 2013; orientador de TCC e Iniciação Científica, orientador de estágio, coordenador de grupo de pesquisa, coordenador do curso de História e outras funções administrativas e acadêmicas. Na Uninove foi professor no curso de História (presencial e EAD) e orientador de TCC. Atuou como Professor e orientador de TCC do curso de Pós-Graduação “Educação e Direitos Humanos” na UFABC e em 2019 foi orientador de TCC no curso de Pós-Graduação/Especialização “Gestão Pública” pela UNIFESP/UAB. Foi Professor no curso Educação em Direitos Humanos/UFABC do conteúdo Fundamentos Históricos e Sociológicos e Marcos Regulatórios dos Direitos Humanos/Orientação de TCC. É pesquisador associado do Núcleo de Pesquisa de História Oral (NEHO/USP) e do GEINT (Grupo de Estudos do Integralismo). Tem experiência na elaboração de materiais didáticos para os cursos de História e Pedagogia sobre Aspectos da cultura afro-brasileira; Sustentabilidade e Educação. Realizou pesquisa e tem desenvolvido projetos em relação ao Futebol e Sociedade; A FEB e a Segunda Guerra Mundial; História Oral e Cultura Popular; Nazismo/Fascismo; Educação e Meio Ambiente. É pesquisador integrante do Grupo de Pesquisa Educação em Direitos Humanos/UFBC – CNPq.

Contato: aosalun@uol.com.br

Deixe um comentário