ENVELHECIMENTO(S) E DIREITOS HUMANOS: UMA CONVERSA NECESSÁRIA E URGENTE!
*Irene Franciscato
Em 1 de outubro é comemorado o Dia Nacional do Idoso entre nós, para homenagear os idosos e, ao mesmo tempo reforçar direitos garantidos pelo Estatuto do Idoso, instituído pela Lei 10.741/03. Nessa mesma data, comemora-se o Dia Internacional da Terceira Idade, definido pela Organização das Nações Unidas (ONU), desde 1990. Portanto, neste corrente outubro, é oportuno, mais uma vez, tratar desta fase do ciclo de vida que se vislumbra a curto, médio ou longo prazo a todas as pessoas, na perspectiva dos Direitos Humanos.
Entre nós, país em desenvolvimento, é pessoa idosa todos os que atingiram 60 anos. São diversos os direitos preconizados pelo Estatuto do Idoso (2003), desde duas décadas passadas. Direito à saúde, à cultura, ao esporte, ao lazer, à liberdade, à convivência familiar, ao respeito e proteção, à assistência e previdência social, ao transporte público gratuito, entre outros mais, que em seu conjunto, pretende-se constituir sua dignidade enquanto ser humano.
Em relação à população idosa, em 2022, a população brasileira com 60 anos ou mais era de 32,1 milhões de pessoas, o que representava 15,6% do total da população, de acordo com o Censo Demográfico de 2022, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em relação a 2010, identifica-se que o aumento desse grupo demográfico foi de 56%, confirmando uma tendência de envelhecimento da população. Ainda segundo o censo, população idosa ultrapassará em breve a população infantil, sendo que proporcionalmente, para cada 100 crianças temos 55,2 de idosos, o que mostra significativo avanço populacional dessa fase da vida.
E continuará aumentando:
“[…] em 2025 o país ocupará o 6º lugar no ranking de maior população idosa no planeta. A PNAD (IBGE, 2012) também identificou uma feminilização do envelhecimento em virtude de que as mulheres vivem, em média, sete anos a mais que os homens. Outro aspecto levantado por essa pesquisa foi o aumento de pessoas idosas vivendo sozinhas no domicílio, representando mais de 6,7 milhões. Enquanto o idoso dispuser de suas capacidades físicas e emocionais para sua autonomia, poderá realizar todas as atividades cotidianas da vida diária. Contudo, o avanço da idade repercute na diminuição progressiva das capacidades funcionais, o que também indica que haverá cada vez mais a necessidade de cuidadores, familiares ou não, qualificados para suprir as demandas nos cuidados com alimentação, higienização, auxílio na administração medicamentosa, conforto e segurança do idoso.” (ESCORSIM, 2021, p. 437).
Esse fenômeno avança não só em nosso país: até 2030, o número de idosos em todo o mundo crescerá 38%, atingindo 1,4 bilhão de pessoas e, segundo Escorsim (2021), ocuparemos o sexto lugar na escala mundial. Importante lembrar que no Brasil, as regiões sudeste e sul apresentam população mais envelhecida enquanto que a mais jovem encontra-se nas regiões norte e nordeste. Considerando-se o gênero, são as mulheres as que representam a maior porcentagem, com 51,5 do total da população de idosas.
Alexandre Kalache (2025), gerontólogo presidente do Centro Internacional de Longevidade/Brasil, em reforço aos direitos da pessoa idosa, identifica quatro pilares para a fase do envelhecimento, a saber: saúde (física e psicológica); novas aprendizagens ao longo do envelhecimento (novos conhecimentos, tecnologia); continuidade na participação da vida social (relacionamentos com familiares, com seus pares e intergerações, em diferentes espaços) e proteção e segurança (ter um mínimo para viver, como moradia, alimentação saudável e proteção/assistência à saúde).
Também declara que no envelhecimento, a pessoa terá que ressignificar sua vida de acordo com sua condição real, como seu corpo, que estará diferente do corpo que tinha quando na juventude. Diz ainda que manter a capacidade funcional desde tomar banho, lavar uma louça ou interagir com a internet são ações importantes a serem preservadas o mais possível.
Temos um estatuto pungente e estudiosos da área o ratificam, dentre eles: ESCORSIM (2021); CRUZ e HATEM (2021). Contudo, além da abordagem demográfica e biológica, é preciso ampliar nossa visão sobre o envelhecimento também a partir de uma perspectiva social e histórica, tal como também refere Escorsim (2021).
Numa sociedade de estrutura econômica capitalista em que sabemos que vale quem produz trabalho e quem não mais o produz é tido como improdutivo, fora do jogo, cabe perguntar:
O que se vislumbra para as pessoas idosas, num país de visível desigualdade social, cujo envelhecimento não ocorre, portanto nas mesmas condições?
Estarão os direitos garantidos a todas as pessoas idosas?
Estima-se que não!
Conforme Mrejen, Nunes e Giacomin (2023, p. 26), apenas para referir cuidados físicos:
“como as limitações funcionais aumentam com o envelhecimento, aumenta também a proporção de idosos necessitando de ajuda para realizar atividades da vida diária. No Brasil, na maioria dos casos, essa ajuda para tomar banho, comer ou realizar atividades similares é provida por membros da família. Somente em domicílios de renda mais elevada é que a participação de cuidadores contratados alcança uma dimensão mais relevante, apesar de ainda minoritária.”
O envelhecimento não é, portanto, um fenômeno homogêneo. Por essa razão, é preciso tratarmos de envelhecimentos. Tem classe social, tem etnia, tem cor e tem gênero não só em relação aos cuidados físicos, mas também em relação a outras faces da vida humana como aos direitos à cultura, ao lazer, ao entretenimento. Sendo esses direitos já inalcançados por parte da população em geral quando em fase produtiva, é de se esperar que para o grupo das pessoas idosas não mais “produtivas”, esses direitos também não estejam ao alcance dessa população específica. Contudo, parodiando a música dos Titãs Comida (1984), a pessoa idosa não quer só comida, ela quer também diversão e arte.
Portanto, políticas públicas que atendam direitos básicos relativos à saúde e proteção social são fundamentais, mas não se esgotam aí, já que a pessoa idosa é também um ser simbólico intermediado pela(s) cultura(s) que o cercam; um ser social pelas interações que estabelece com o(s) outro(s) e um ser pensante, pelas novas aprendizagens que pode ter ao longo da vida. É preciso que nosso país se prepare para essa realidade – nem tanto nova -, para que os direitos das pessoas idosas sejam plenamente garantidos.
PARA SABER MAIS:
BRASIL. Lei 10.741, de 01 de outubro de 2003. Estatuto do idoso. Brasília: DF, outubro de 2003. Ministério da Previdência e Assistência Social. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.741.htm. Acesso em 19/10/2025.
CRUZ, Clarisse A. C. Viana; HATEM, Daniela S. Direitos do Idoso: Um estudo sobre a legislação brasileira e sua eficácia no que tange ao combate à violência contra o idoso no país. Revista de Direito Privado. vol.110/2021, p.203-22- Out./Dez. 2021. DTR 2021/47790. Acesso em 03 de setembro de 2025.
ESCORSIM, Silvana M. O envelhecimento no Brasil: aspectos sociais, políticos e demográficos em análise. Revista Serv. Soc. Soc. São Paulo, n 142, p.427-446, set./dez. 2021.
KALACHE, Alexandre. Tantos Tempos:Podcast. Episódio 5, ano 2025. Acesso em 02 de setembro. 2025. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=5K588ZJYs-g. Acesso em 19/10/2025.
MREJEN, Matias; NUNES, Letícia; GIACOMIN, Karla. Caderno On Line. Instituto de Estudo para Políticas de Saúde. Estudo Institucional n.10, fev. de 2023. Acesso em 23 de setembro de 2005.
*Irene Franciscato, psicóloga e pedagoga, doutora em Educação pela PUC São Paulo ( 2003), professora universitária aposentada no curso de Pedagogia (Faculdades Oswaldo Cruz – São Paulo, FASB – São Bernardo do Campo e Fundação Santo André – Santo André); atualmente é pesquisadora colaboradora no Grupo de Pesquisa da UFABC EDH, colunista da Revista Contemporartes EDH também da UFABC e atua como psicóloga de grupo de convivência 60+.