VOCÊ JÁ PENSOU NO ESPAÇO URBANO SOB A PESPECTIVA DE GÊNERO E RAÇA?
* Vanice Aparecida Alves
Pretende-se neste artigo apresentar brevemente uma revisão bibliográfica referente às questões de gênero, raça e o espaço urbano, principalmente das mulheres negras, considerando que é sob seus corpos que a intersecção das violências é atravessada, pelas estruturas de raça e gênero. Cabe ressaltar, que o interesse por esta temática surgiu em decorrência do exercício profissional em questionar o lugar que as mulheres negras têm ocupado nos territórios das cidades.
A partir deste artigo identificamos que a questão das relações de gênero, raça e espaço urbano no âmbito acadêmico ainda é reduzida. Contudo, Silva (2007) afirma que recentemente, o conceito de gênero tem sido utilizado em várias dissertações de mestrado e teses de doutorado. Para a autora apesar das conquistas, o gênero ainda na geografia brasileira é limitado, em comparação aos avanços obtidos nos países anglo-saxões, principalmente a partir dos anos de 1990 (SILVA, 2007, p.119).
Nesta revisão bibliográfica, cabe acrescentar os estudos feministas que se dedicaram ao espaço urbano a partir da década de 1970 para 1980, com os estudos que possibilitam o entrecruzamento entre categorias do pensamento feminista e os conceitos utilizados no espaço da cidade (FREITAS, 2019, p. 01). Para Freitas (2019), entre os diversos estudos, concluiu-se que eles possuem semelhanças:
[…] em torno da crítica à perspectiva masculina dos clássicos sobre o urbano, mas também se utilizam comumente da dicotomia entre feminino e masculino como parâmetro para desenvolverem outras dualidades, como público e privado, produção e reprodução e tempo e espaço (FREITAS, 2019, p. 01).
Silva (2007) em seus estudos identifica a existência de autores, cuja ideia afirma que a forma como o ambiente é “[…] construído reflete os estereótipos dos lugares femininos e masculinos” e em decorrência disso, o espaço urbano apresenta uma ótica masculina (p.120). Este cenário, segundo a autora, prevaleceu durante anos, em que o planejamento urbano funcionalista e racionalista, faz com que a cidade aprisione as mulheres no espaço residencial em detrimento do urbano, reforçando a divisão sexual do trabalho, e esta leitura da distribuição funcional urbana expressa a dominação masculina sobre o espaço.
Segundo Silva (2007, p.120), outros autores complementam a discussão apontando que os processos de segregação espacial, incorporados à lógica capitalista, ao patriarcado, expressa que
“[…] muitas áreas são compostas pelo trabalho feminino remunerado de forma desigual em relação ao trabalho masculino, gerando uma feminização da pobreza urbana.”
Além disso, aponta a rua como espaço de “constrangimento”, seja pelos locais e horários, ou pelo “confinamento” por serem residências periféricas, em que há diferenças de acesso físico entre mulheres e homens, “como a construção de barreiras invisíveis” criadas por aqueles que impõem a ordem e legitimidade. (SILVA, 2007, p.120).
Para Freitas (2019), o planejamento urbano tem que ultrapassar a leitura das “necessidades das políticas e espaços públicos” (equipamentos, serviços, acessibilidade), mas alcançar o cotidiano “de quem vive e participa da cidade”, compreendendo que a “ineficiência” do uso do tempo das mulheres e das pessoas, não está limitada no deslocamento como único elemento.
Neste contexto, Paula (2019) questiona se em sua maioria os bairros mais periféricos e com menores rendas são ocupados pela população negra em sua maioria, a questão de gênero interfere nessa dinâmica, tornando-a mais difícil. Além disso, afirma que a segregação urbana ou ambiental é um dos fatores importantes da desigualdade social, entendendo que esses fatores são os geradores das desigualdades. Por isso, considera que na análise do espaço urbano, é importante entendermos o conceito de gênero na análise espacial.
Os(as) autores(as) Teixeira, Lopes e Júnio (2019) apresentam em seus estudos diferentes abordagens epistemológicas sobre gênero e os movimentos feministas. No que diz respeito a gênero descrevem que:
[…] gênero tem a finalidade de determinar tudo o que é definido socialmente, e por esse fato, está em constante processo de ressignificação pelas interações entre homens e mulheres, ou seja, é um “termo em construção” (TEIXEIRA, LOPES e JÚNIO, 2019, p.407).
Esses autores se fundamentam em Lamas (2000, p. 13), e descrevem que esse conceito de gênero contribui para o entendimento de que a anatomia não é determinante para posicionar mulheres e homens em hierarquias distintas, mas “a simbolização que as sociedades fazem dela”. Portanto, gênero é uma construção social de desigualdades entre homens e mulheres, determinando o social, o cultural e tudo que historicamente foi construído. (TEIXEIRA, LOPES e JÚNIO, 2019, p.407)
Neste contexto, observa-se que a mulher negra, na perspectiva da desigualdade, enfrenta obstáculos que são atravessados pela raça, gênero, classe e pela trajetória do racismo, do machismo, do sexismo, do racismo ambiental e da segregação espacial. E apesar deste contexto, torna-se imperdível reafirmarmos as lutas das mulheres negras contra essas diversas formas de opressões e suas conquistas para assegurar direitos e as mudanças desta sociedade vigente.
SONZA, Andréa Poletto [et al.]. Letramento de gênero: aqui não é um tabu e ai? Porto Alegre, RS: 2ks Agência Digital, 2023 Disponível em: < file:///C:/Users/Usuario/Downloads/123456789999.pdf> Acesso em 17 ago. 2025.
TEIXEIRA, Marcella Barbosa Miranda. LOPES, Fernanda Tarabal. JÚNIO, Admardo Bonifácio Gomes. Gênero e Feminismos: conceitos e perspectivas. Uberlândia: Caderno Espaço Feminino, v.32, n.1, jan./jun. 2019, p. 405-430 Disponível em: < file:///C:/Users/LABORATORIO/Downloads/neguem,+18-ARTIGO+-+genero+e+feminismos+-+texto+revisao.pdf> Acesso em 19 ago. 2025.
* Vanice Aparecida Alves é Assistente Social da Secretaria de Políticas para Mulher e Igualdade Racial de Jandira/SP, Mestra em Política Social, Doutora em Serviço Social, Pós-Graduação em Políticas públicas, Direitos Humanos, Diversidade Sexual e Gênero, Aperfeiçoamento em “Educação em Direitos Humanos e Diversidade: educar-se e educar para a construção de uma sociedade fundamentada em direitos humanos”. Facilitadora do Grupo “E Agora José”. Foi tutora no Curso de Especialização em Educação em Direitos Humanos da Universidade Federal do ABC (UFABC). Pesquisadora do Grupo de Pesquisa Educação em Direitos Humanos na UFABC. Contato: dialetica@hotmail.com.
Excelente artigo Vanice, parabéns… adorei!
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