* Vanice Aparecida Alves
O presente artigo visa analisar a interseccionalidade das políticas públicas de ações afirmativas para meninas e mulheres na perspectiva de práticas educativas feministas nas escolas, bem como ampliar o debate do tema que ainda é invisibilizado, pois, compreendemos que as referidas políticas públicas de mulher e educação são transversais e são ferramentas imprescindíveis para combater a desigualdade, o preconceito e a discriminação de gênero dentre outras violências.

As políticas públicas são consideradas ações que orientam o Estado, no que tange o combate “[…] de problemas decorrentes de práticas assimétricas historicamente configuradas que inviabilizam o processo de participação social e política democrática e igualitária, de mulheres e homens.” (BRASIL, 2013, p.9)
Cabe ressaltar, que o tema deste artigo surgiu a partir da trajetória profissional, no trabalho com mulheres em situação de violência doméstica e familiar, e acadêmica pelo compromisso da aplicação do conhecimento teórico e prático e sua democratização à sociedade. O debate do feminismo parte de diferentes perspectivas teóricas, mas não é algo abstrato, pois tem a ver com situações concretas da vida do sujeito singular e dos sujeitos políticos coletivos:
[…] grupos, instituições, partidos políticos e movimentos sociais, principalmente feministas antirracista e LGBT […], relacionados, dentre outras questões, à sexualidade, à afetividade, a viver sob os ditames do patriarcado, da misoginia, do racismo e da LGBTfobia (CISNE. SANTOS, 2018, p.23).
A partir da concepção marxista as autoras Cisne e Santos (2018) assinalam que a relações sociais nesta sociedade fundam-se no trabalho, materializado na sociedade “hetero-patriarcal-racista-capitalista” e as dimensões da sexualidade, gênero, etnia e classe geram situações desiguais entre os indivíduos e oferecem situações de privilégios a alguns(as) em detrimento de outros.
Ao tratarmos dos movimentos feministas no Brasil, observa-se que esses movimentos apresentaram desigualdades e privilégios entre os indivíduos de determinados grupos, pois por anos os movimentos feministas, negligenciaram as questões raciais que impactavam as mulheres negras, e segundo as autoras Silva, Bronzo e Brasil (2023) o movimento negro não abordava as questões de gênero. Nas décadas de 1970 e de 1980, os debates de gênero e raça foram aprofundados, mas as mulheres negras ainda não obtiveram espaços para debater questões inerentes as suas especificidades, atravessadas pelos marcadores de raça e classe, para além das questões de gênero. Portanto, nesta conjuntura o movimento feminista negro brasileiro surgiu, visando emancipar as mulheres negras para superar as opressões vividas, ocupando os espaços de debate público, as formulações de políticas públicas, e construindo um pensamento feminista negro. Ainda segundo as autoras este movimento utiliza-se do conceito de interseccionalidade como uma ferramenta analítica que possibilita nomear as opressões que atravessam a vida das mulheres negras: raça, classe e gênero.

Para as autoras Pontes e Damasceno (2017) nos anos de 1980 e 1990 os movimentos de mulheres e os movimentos feministas foram fundamentais no debate dos direitos das mulheres aprofundam a questão de gênero, e articularam as políticas públicas de saúde, educação, assistência social, etc. que deram visibilidade na garantia de direitos e fortaleceram as mulheres nos espaços públicos e privados. Observa-se que apesar das políticas para mulheres incorporem suas demandas, ainda temos desafios para enfrentarmos, como a implantação de ações e projetos e sua intersecção com as demais políticas públicas.
No que diz respeito a Educação, entendemos que o seu processo de formação dos sujeitos sociais no espaço escolar, torna-se um ato político, ao libertar os educandos e as educandas da consciência mecânica descontextualizada de sua realidade, provocando neles(as) a criticidade e o compromisso com a transformação real da vida em sociedade. Por outro lado, supomos que a educação brasileira ainda não incorporou na formação dos educandos e educandas a perspectiva de práticas educativas feministas que visa combater a desigualdade e a discriminação de gênero e a prevenção de violências contra as meninas e mulheres.
Nota-se que esse debate de formação para transformação, já estava presente desde 2004 no Plano Nacional de Políticas para as Mulheres que aponta “[…] a educação como um dos eixos fundamentais para a construção de uma sociedade igualitária entre mulheres e homens.” (BRASIL, 2013, p.22).

E, no âmbito das práticas educativas feministas nas escolas destacaremos o material “Catálogo com referências e materiais pedagógicos: valorização das meninas e mulheres e enfrentamento às violências 2021” (SEDF, 2021) pautado nos marcos legais e instrumentos norteadores que balizam as ações dos(as) profissionais da educação.
Entre os materiais educativos tem os vídeos da Turma da Mônica “Juntos pela Igualdade” que visa à prevenção da violência contra a mulher, “Papo Reto” que mostra comportamentos que podem desencadear em relacionamento abusivo, “Guia de Prevenção à Violência contra a Mulher” que orienta os(as) profissionais da educação que busca à construção de relações respeitosas entre meninos e meninas, homens e mulheres, a partir de ações pedagógicas que ressignificam os padrões de comportamento desde a primeira infância, “E-book Maria da Penha vai à Escola: educar para prevenir e coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher” promove e divulga a Lei Maria da Penha nas escolas, “Extraordinárias: Mulheres que revolucionaram o Brasil” visa reconhecer o protagonismo e a valorização das mulheres ressignificando as relações sociais e desconstruindo a imposição de papéis sociais.


A partir das análises apresentada concluímos que a interseccionalidade das políticas públicas de ações afirmativas para meninas e mulheres na perspectiva de práticas educativas feministas nas escolas é possível, por meio de materiais educativos já elaborados, ou adaptados ou elaborados pelos(as) profissionais da educação, tendo como parâmetros os marcos legais não somente da educação, mas interseccionando com as demais políticas públicas.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Presidência da República. Secretaria de Políticas para as Mulheres. Plano Nacional de Políticas para as Mulheres. Brasília: Secretaria de Políticas para as Mulheres, 2013 Disponível em: < https://www.gov.br/mulheres/pt-br/acesso-a-informacao/participacao-social/arquivo33_pnpm.pdf > Acesso em 17 mai. 2025
CISNE, Mirla. SANTOS, Silvana Mara Morais dos. Feminismo, diversidade sexual e Serviço Social. São Paulo: Cortez, v.8, 2018
PONTES, Denyse. DAMASCENO, Patrícia. As políticas públicas para mulheres no Brasil: avanços, conquistas e desafios contemporâneos. In: Seminário Internacional Fazendo Gênero 11. Florianópolis, 2017 p.01-11 Disponível em: < https://www.en.wwc2017.eventos.dype.com.br/resources/anais/1498660593_ARQUIVO_artigomundodasmulheres.pdf > Acesso em 10 mai. 2025
SEDF, Secretaria de Educação do Distrito Federal. Catálogo com referências e materiais pedagógicos: valorização das meninas e mulheres e enfrentamento às violências 2021. DF: SEDF, 2021 Disponível em: < https://www.mpmt.mp.br/site/storage/webdisco/arquivos/catalogo_com_referencias_e_materiais_pedagogicos_valorizacao_das_meninas_e_mulheres_enfrentamento_violencias_2021%20(1).pdf > Acesso 02 mai. 2025
SILVA, Mônica de Cássia Costa; BRONZO, Carla; BRASIL, Flávia de Paula Duque. Feminismo negro no Brasil: as interseccionalidades na produção de políticas públicas. In: RODRIGUES, M. I. A.; ALMEIDA, L. S. B.; MAGALHÃES, B. D. (org). Campo de públicas: perspectivas e diálogos ibero-americanos. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, 2023. p. 270-286. Disponível em:< https://repositorio.fjp.mg.gov.br/server/api/core/bitstreams/e01c7544-62fd-451e-95f4-d4e99e4cbfe5/content > Acesso em 10 mai. 2025

* Vanice Aparecida Alves, Assistente Social da Secretaria de Políticas para Mulher e Igualdade Racial de Jandira/SP, Mestra em Política Social, Doutora em Serviço Social, Pós-Graduação em Políticas públicas, Direitos Humanos, Diversidade Sexual e Gênero, Aperfeiçoamento em “Educação em Direitos Humanos e Diversidade: educar-se e educar para a construção de uma sociedade fundamentada em direitos humanos”. Facilitadora do Grupo “E Agora José”. Foi tutora no Curso de Especialização em Educação em Direitos Humanos da Universidade Federal do ABC (UFABC). Pesquisadora do Grupo de Pesquisa Educação em Direitos Humanos na UFABC. Contato: dialetica@hotmail.com.
