DESPERTANDO OLHARES PARA O ESPAÇO SOCIAL DAS MULHERES

Profa. Dra. Adriana Ferreira Serafim de Oliveira **

Nas duas primeiras décadas do século XXI, o espaço das mulheres nas sociedades ainda não está consolidado por elas mesmas; embora a humanidade em sua história conte com ícones femininos, as quais são lembradas assim, como ímpares e não como partes.

As mulheres ocupam posições pré-determinadas por gerações cunhadas pelos ideais do patriarcado, pois subsiste a permissibilidade do trânsito das mulheres nos espaços sociais. Essa manifestação se dá de acordo com a moral social e por isso, ocorre acirradamente ou simbolicamente.

Desse modo, a moral vigente nas sociedades que formam o cenário internacional, demonstra que as mulheres possuem maior ou menor flexibilidade de gerirem suas vidas em consonância com seus anseios de acordo com os costumes culturais, possibilitando o rompimento da construção secular de que o lugar das mulheres é determinado pela natureza, destinando-as aos cuidados domésticos e por exceção, a alguns espaços públicos.  

Esse contexto informa um panorama de violência contra as mulheres, de maneira simbólica, psicológica, física, econômica, etc., das quais a mais grave é o feminicídio, pois de uma violência física, adveio à morte. Não menos importante, pois é corrosiva do mental e emocional de muitas mulheres, temos a violência psicológica e econômica.

Campanha contra violência às mulheres do Programa mulheres sem risco. Fonte: https://br.pinterest.com/pin/838373286869299049/. Acesso em 22/05/2023.

Embora, invisível, por vezes, há a violência simbólica, praticada no cotidiano pela própria sociedade e pelas instituições derivadas de uma sociedade determinada, bem explicada nas linhas bourdianas. A violência simbólica, fruto do poder simbólico. A violência está naturalizada nas sociedades, de modo, que se convive com este fenômeno, como se ele fosse integrante, todavia, não seja, esteja.

Em termos acadêmicos e artísticos é importante questionarmos, qual herança, pensamento e ideário do gênero feminino temos em trânsito pelas universidades e academias de arte? Majoritariamente, o olhar, observações e reflexões masculinas sobre as pessoas e seus contextos sociais. Isso molda o dever ser social e sem a consideração das contribuições femininas, quem está ditando as regras sociais?

Os livros e artigos científicos, as representatividades políticas, as obras de arte e as manifestações artísticas na música, na escultura, na pintura, na gravura, entre outras, são proporcionalmente maiores para homens que mulheres. Certo que, na dança, por exemplo, o balé, as mulheres têm maior expressão, mesmo porque essa dança é vista como de domínio feminino.

Campanha da Controladoria-Geral do Distrito Federal para o Dia Internacional das Mulheres: 08/03/2023. Fonte: https://www.agenciabrasilia.df.gov.br/2023/03/06/campanha-incentiva-denuncia-como-arma-contra-o-feminicidio/. Acesso em 22/05/2023.

Na juventude do século XXI, as pessoas têm despertado para entenderem qual espaço social ocupam e quais poderiam ocupar, discutindo, expondo, incomodando os acomodados. Não só as mulheres, mas os considerados minorias, que na verdade são maioria social, entretanto, rejeitados sociais, excluídos e inadequados, pois não são todos os lugares, tanto públicos como privados, os quais frequentam sem constrangimento social, institucional ou moral.

A exclusão e a falsa inclusão causam o não pertencimento do ser humano àquele lugar social que ocupa pela própria conjugação do verbo ser e estar. Causa de sofrimento e bullying em escolas, bairros, famílias e consequentemente, sociedades. Esse reflexo amplia-se quando observamos em âmbito internacional, tais como, os refugiados de guerra, ambientais, políticos, entre outros imigrantes, que cruzam fronteiras buscando o mínimo, qual seja, a garantia do direito à vida.

Então, vemos que as mulheres são mais um sujeito de direitos esquecido, por vezes, até que a Carta da Organização das Nações Unidas recordou esse sujeito, em 1945, na porta da segunda metade do século XX, num conturbado pós-guerra. A Carta da ONU de 1945 dispôs em seu texto a palavra mulheres como um sujeito de direitos e essa materialização despertou direitos das mulheres, a movimentação pela conquista de outros e obrigações dos Estados. Aqui, iniciamos, como humanidade, as discussões sobre violações de direitos e concepções de direitos humanos.

Capa da Carta da Organização das Nações Unidas (ONU), de 1945. Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Uncharter.pdf. Disponível em 22/05/2023.

Bem, ainda cabe às mulheres, aos movimentos sociais, às feministas, às brancas, às negras, às transgêneros, às ricas e pobres, enfim, ao sujeito mulher, conscientizar-se que a sociedade é composta por seres humanos que vivem cerca de 80-100 anos e compartilham involuntariamente desse contexto de tempo e espaço, local em que o respeito, como virtude ética, deve estar acima das diferenças e também por isso, o ideário social deve ter a incorporação dos olhares e considerações femininas, seja na política, academia, artes ou na conjugação do verbo ser e estar dos seres humanos na vivência social.

Numa linha temporal, de 1945 para 2023, certamente, avançamos como humanos, com a percepção do outro, mas nas considerações de Bauman, estamos numa modernidade líquida, que em parte, corroboramos, entretanto, consideramos que muitos paradigmas foram rompidos e um novo humano está sendo cunhado, esperançamos que integralizado e coletivo, ou seja, consciente do todo e da sua subjetividade, o qual encontre um entorno que o respeito e proporcione condições para que desperte e desenvolva todas as suas capacidades latentes.

Da mesma maneira, que não seja mais necessário daqui mais meio século, explicitar os seres humanos, em termos de direitos, como homens, mulheres, crianças, adolescentes, refugiados, minorias, indígenas, afrodescendentes, aqueles ou aquelas, mas que sejamos todos.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, [2016]. Disponível em: www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ Constituiçao.htm. Acesso em: 11 dez. 2022.

BRASIL. Decreto nº 1.973, de 1º de agosto de 1996. Promulga a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, concluída em Belém do Pará, em 9 de junho de 1994. Diário Oficial da União. Brasília: Casa Civil da Presidência da República. Disponível em: www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1996/d1973.htm. Acesso em: 13 dez.2022.

BRASIL. Decreto nº 4.377, de 13 de setembro de 2002. Promulga a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, de 1979. Diário Oficial da União. Brasília: Casa Civil da Presidência da República, 2002. Disponível em: www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/d4377.htm. Acesso em: 23 jan.2023.

BRASIL. Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006. Lei Maria da Penha. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher. Diário Oficial da União. Brasília, 8.ago. 2006.

BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. Trad. Maria Helena Küher. 2. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002.

BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Tradução de Fernando Tomaz. Lisboa. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989.

OLIVEIRA, Adriana Ferreira Serafim de. As políticas públicas de enfrentamento à violência contra a mulher na legislação e nos depoimentos. São Paulo: Editora Unesp, 2020.

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU). Carta das Nações Unidas, 1945. Disponível em: www.oas.org/dil/port/1945%20Carta%20das%20Na%C3%A7%C3%B5es%20Unidas.pdf. Acesso em: 10 mar.2023.

ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS (OEA). Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher. Cidade do México – México, 1979.

ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS (OEA). Convenção interamericana para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher – “Convenção de Belém do Pará”. Adotada no Período Ordinário de Sessões da Assembleia Geral, 24. Belém do Pará, PA: 9.jun.1994.

** Profa. Dra. Adriana Ferreira Serafim de Oliveira

É Doutora em Educação – Políticas Públicas na Unesp de Rio Claro; desenvolveu estágio doutoral em Psicologia Social na Universidade Complutense de Madrid, Espanha; Mestra em Direitos Fundamentais Difusos e Coletivos pela Unimep; Pós-graduada em Política e Relações Internacionais pela FESPSP; Bacharel em Direito pela ITE de Bauru; Licenciada em Letras-Português pelo Centro Universitário Claretiano. Realizou Pós-doutorado em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Atua como professora universitária, professora conteudista e tutora EaD no curso de Educação em Direitos Humanos na UFABC e Advogada. Atualmente é pós-doutoranda em Direito e Arte pela UFRJ.

Contato: adrianafsoliveira@gmail.com

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