*Alexandra Alves Sobral
**Julia Aparecida Souza de Oliveira
É necessária uma aldeia para educar uma criança.
(Provérbio africano- povo xhosa)
Passado dezenove anos da publicação da lei 10.639/03, percebemos que a questão étnico-racial no campo da educação passa por um processo de avanços e entraves, isto é, novas legislações e por outro lado uma presença conservadora na dimensão operativa, pedagógica e ética política nos espaços educacionais.
Uns dos grandes objetivos dessas legislações são as retomadas de uma memória positiva em torno da cultura afro-brasileira, ainda não se efetivou no chão da escola. Diante disso, entre os avanços legais e o racismo institucional que impede novas práticas educativas antirracista.
Fazendo uma análise dessa questão seja observando a oferta de cursos livres, extensão, graduação ou pós-graduação, vemos que a formação para professores em torno da Lei nº 11.645/2008 e 10.639/03 ainda caminha a passos lentos, sendo necessário fortalecer esta a temática e potencializar nas vivências infantis. Diante disso, as crianças indígenas e afrodescendentes, não encontram vivências educacionais ao qual os mesmos possam se sentirem representados nas matérias didáticas, nos conteúdos ministrado e no espaço escolar, principalmente no componente curricular de literatura e história, que traz muito mais uma “história eurocêntrica”, onde as histórias de outros povos são apagadas. Como lembra Chimamanda Adichie (2012), que as narrativas de uma única história, afeta o imaginário da infância com uma história carregada de rótulos, estereótipos, frutos de uma colonização mental.
[…] somos impressionáveis e vulneráveis em face de uma história, principalmente quando somos crianças. Porque tudo que eu havia lido eram livros nos quais as personagens eram estrangeiras, eu convenci-me de que os livros, por sua própria natureza, tinham que ter estrangeiros e tinham que ser sobre coisas com as quais eu não podia me identificar. Bem, as coisas mudaram quando eu descobri os livros africanos. ADICHIE (2012)[1].
Assim consideramos os encontros formativos ofertados pela rede municipal são de grande valia, pois nos leva a pensar estratégias de enfretamento do racismo no ambiente escolar sejam do ponto de vista teórico ou na prática cotidiana. Consideramos ainda, diante das nossas atuações como formadoras que a superação do racismo no ambiente escolar passa necessariamente pelo investimento em ações formativas aos educadores. Pois esse tipo de formação contribui para que professores, gestores e equipe de apoio construam referências positivas de si, das crianças e família e comunidade, fato esse que pode ser um propulsor para mudanças de postura em torno do racismo.

Foto: Momento Formativo em DIPED ( fonte: acervo pessoal)
No enfretamento ao racismo, podemos considerar que a inclusão da pauta da diversidade cultural é algo recente, visto que essa questão passou a fazer parte do nosso regime jurídico somente na década de 80 do século XX. Foi por meio da chamada Constituição Cidadão (BRASIL,1988), que o direito a diversidade cultural passa a ser assegurado. Essa legislação legitimou não só o direito dos exercícios culturais, mas ainda contemplou nesse mesmo direito: o acesso, incentivo, valorização, proteção e difusão das manifestações culturais afro-brasileiras. Nota-se que a proposta da constituição não se limita só a garantia do acesso, incentivo, valorização, proteção e difusão das manifestações culturais afro-brasileiras, mas conforme enunciado no V do artigo 215 contempla a valorização da diversidade étnica e regional. Nesse sentido a Lei. 7.716/89, compromissada com a agenda programática constitucional, irá definir em seu Art. 1º, como cabível de punição o crime de ofensas por preconceito: “Art. 1º. Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional” (BRASIL, 1989). Neste caminho do campo jurídico não podemos deixar ainda de mencionar movimentações legislativas entorno da Lei 10.639/03, foi impulsionada pela pressão dos movimentos negros. De acordo com Nilma Lino Gomes:
O movimento negro conquistou um lugar de existência afirmativa no Brasil. Ao trazer o debate sobre o racismo para cena pública e indagar as políticas publicas e seu compromisso coma superação das desigualdades raciais, esse movimento social ressignifica e politiza a raça, dando-lhe um trato emancipatório e não inferiorizante. (GOMES, 2017, p.21)
Sem dúvida foi um período extremamente significativo nesse sentido, com a conquista de leis de importantes foi um marco nas orientações de práticas educativas antirracista. Contudo mesmo com os avanços jurídicos não podemos esquecer é preciso uma aldeia para educar uma criança porque todas as interações que uma pessoa vive: em casa, na escola, na rua formam sua identidade e visão de mundo, porque todas nós, pessoas adultas que nos comunicamos com crianças, que interagimos com elas, estamos o tempo todo educando.
E nesse sentido destacamos um dos valores civilizatórios afro-brasileiros estudados por Azoilda Trindade, a cooperatividade, um dos valores que deve fazer-se presente na escola em forma de ações coletivas, democráticas e intencionais. Esse valor deve ser, portanto, um dos pilares da gestão de uma escola, para afirmar e constar no Projeto Político Pedagógico das unidades educacionais.

Foto: Momento Formativo em DRE-Guainases ( fonte: acervo pessoal)
Assim afirmamos com a nossa prática cotidiana no chão da escola que a luta antirracista não diz respeito apenas em criar novos eventos escolares que propiciam momentos pontuais de vivência das culturas, mas com ações coletivas de um cotidiano acolhedor da pluralidade de identidades, onde as práticas educativas diárias sejam antirracista. Por isso, ao invés de uma ação pontual, optamos em compartilhar nossas pesquisas e socializarmos nossos momentos formativos dando subsídios à reconstrução da vivência escolar a partir de valores que transforme nossa sociedade em mais justa e igualitária ao povo preto.

Foto: Prêmio Recebido na Câmara Municipal- Folhas do Baobá (fonte: acervo pessoal)


Foto: Julia e Alexandra (fonte: acervo pessoal)
REFERÊNCIAS
BRASIL. Presidência da República. Lei 10.639 de 9 de janeiro de 2003. Altera a Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática Cultura Afro-Brasileira, e dá outras providências. Brasília: DF, 2003.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Imprensa Oficial, 1988.
BRASIL. Presidência da República. Lei n. 11.645/2008, de 10 de março de 2008. Altera a lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996, modificada pela lei n. 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena“. Brasília: DF, 2008.
CAVALLEIRO, Eliane dos Santos. Do silêncio do lar ao silêncio escolar: racismo, preconceito e discriminação na educação infantil. 2ª ed. São Paulo: Contexto, 2003.
GOMES, Nilma Lino. O Movimento Negro educador: saberes construídos nas lutas por emancipação. Petrópolis: Vozes, 2017.
HOOKS, bell. Ensinando a transgredir: a educação como prática da liberdade. 2. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2017.
MUNANGA, Kabengele. Superando o Racismo na Escola. 2° edição. Brasília: Ministério da Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2005.
SÃO PAULO- PREFEITURA DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO. Currículo da cidade, orientações pedagógicas povos migrantes, São Paulo, 2021, Secretaria Municipal de Educação de São Paulo. Disponível em:< https://acervodigital.sme.prefeitura.sp.gov.br/acervo/curriculo-da-cidade-povos-migrantes-orientacoes-pedagogicas/> Acesso 30/jun/2022.
TRINDADE, Azoilda Loretto; SANTOS, Rafael (Org.). Multiculturalismo: mil e uma faces da escola. Rio de Janeiro: DP&A, 2000.
[1] Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=EC-bh1YARsc. Acesso em 21/06/2021.

*Alexandra Alves Sobral: Mestrado Profissional do Programa de Educação: Formação de Formadores da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP, possui especialização Lato – Sensu em Direito Aplicado na Educação pela Faculdade Campus Elísios – SP (2017). Possui os cursos de extensão universitária no Programa de Desenvolvimento Acadêmico Abdias Nascimento pela Universidade Federal de São Paulo – Campus Guarulhos/UNIFESP (2018), Africanidades, Literatura Infantil e Circularidades – Universidade Federal de São Paulo – UFABC (2019). Atualmente é professora de Ed. Infantil e Ensino Fundamental I na Rede Municipal da SMESP. Exerceu a função de professora formadora no II Encontro da Infância pela Divisão Pedagógica – Diretoria Regional de Guaianases (2018); Congresso Regional de Educação Guaianases – CONGREG (2018) e (2019) com as temáticas África em nós e A África que não conhecemos; Jornada Pedagógica- DRE Guaianases (2019), com a temática: práticas para uma educação Étnico Racial: Oficina de Abayomi, Narrativas de Contos Africanos e Ciranda. Atuou como professora parceira na formação e implementação do Currículo da Cidade de São Paulo, Ed. Infantil (2019) e Educar para relações étnico – raciais na perspectiva do Currículo da Cidade de São Paulo e das leis 10639/03 e 11645/08.(2020); Integrou o grupo de trabalho para construção do documento Currículo da Cidade Povos Migrantes (2021).

**Julia Aparecida Souza de Oliveira: Graduada em Pedagogia (2002) – UNICID; Pós graduada em Educação Infantil (2012); Psicopedagogia Institucional (2014); FATECE: Pós graduada em Cultura na Aldeias Indígenas e Quilombolas (2021); FAUESP e Pós graduada em Educação em Direitos Humanos pela UFABC. Atualmente é professora da Educação Infantil e Ensino Fundamental da P.M.S.P. Tem experiência na área da Educação com Ênfase em Educação Étnico Racial. Cursando “Lato Sensu” – Especialização em Estudos Africanos e Afro-brasileiros na UFABC.
