Wanda Camargo
Tem sido muito frequente encontrar propagandas de restaurantes glorificando seus pratos como “instagramáveis”, ou seja, que convidam a fotos para publicação nas redes sociais, e curiosamente pouco se fala sobre a qualidade deles, sobre o sabor ou contribuição para a saúde daqueles que os comem.
Bebidas caras em certos bares são por vezes acompanhadas de pequenos fogos de artifício, decorações coloridas e muita louvação à sua beleza, como se o mais importante fosse a cenografia e a ostentação; em muitos locais e eventos são acrescentados locais adequados para fotos, enfeites cuja única finalidade é fotografar-se mostrando alegria num lugar especialmente bonito. Muitas lojas para vender bem procuram ser instagramáveis, e isso se tornou sinônimo de encantamento visual, amplamente aceito e utilizado na linguagem do dia a dia.
O conceito de belo sempre foi dinâmico, assim como as concepções teóricas e filosóficas em que se embasa, principalmente do ponto de vista da beleza física, ou seja, a que pode ser “mostrada aos demais”, em pinturas, fotos ou pessoalmente. A imagem corporal é, no mais das vezes, exibida remotamente à visão do outro, a “imagem em espelho” existe muito mais em redes sociais que presencialmente: o belo será determinado pela visão dos outros, e não na do indivíduo, pois este último sabe quantos artifícios utilizou para gerar estas imagens, quantos filtros e acessórios foram necessários para atingir esta perfeição.
Meninas de pouca idade, pintando a face e esbanjando “felicidade”; homens e mulheres narcisistas tentando atingir padrões inatingíveis de graciosidade ou então quebrar paradigmas sociais quanto aos seus defeitos, tem sido a norma. A constante busca pela beleza exerce forte influência nos fatores que determinam o bem-estar, a busca dos likes é soberana.
Mais modernamente, belo tem sido aquilo que agrada aos sentidos e, entre estes, em particular, o olhar e a audição. Mas não somente os aspectos visíveis exprimem a beleza, qualidades da alma, de participação comunitária, solidariedade e empatia costumavam interferir positivamente, e o caráter não homogêneo daquilo que produz encantamento sempre foi expresso na arte.
Mas o “ser instagramável” muda o padrão, a imagem idealizada deixa de ser aquela modelada e produzida no corpo com a educação e os exercícios físicos, ou em esculturas, pinturas, música e outras manifestações culturais, passa a ser apenas o que pode ser manipulado digitalmente para corresponder ao desejo de causar impacto, ser motivo de inveja ou demonstração de riqueza. É icônico o depoimento do funcionário de um posto de lavagem de carros a quem foram oferecidas diversas propinas para permitir que pessoas posassem dentro de uma Ferrari que ali estava, certamente para valorizar suas imagens. Uma evolução deturpada de princípios: anteriormente era importante “ser”, a seguir “ter”, finalmente “parecer”.
A mistura entre o real e o desejado, o que causa inveja nos demais e termina abrangendo a totalidade do que é concreto, que já existiu ou mesmo que ainda pode vir a existir, todos os objetos de conhecimento que embora inexistentes na realidade, recebem descrições e discursos relevantes e bem construídos.
A expectativa, os contos sobre a fonte da juventude e muitos outros, são ficções envolvendo o apenas imaginado, como mitos, grandes heróis, contos de fadas; acreditar no sobrenatural sempre foi apenas questão de decisão, uma questão urgente para todos, como se fosse a única possibilidade de sobrevivência num mundo polarizado, cheio de agressões e idealizações sobre a perfeição.
Durante boa parte de sua existência a humanidade viveu praticamente apenas na realidade mágica, desde o surgimento da consciência; ancestrais sempre estiveram apavorados, maravilhados, perante um universo infinitamente maior que eles e sua capacidade de entendimento: fenômenos naturais como tempestades, terremotos, raios e vulcões; escassez e fartura de caça e vegetais para coleta; doenças e ataques de animais e insetos.
Animais sem capacidade de raciocínio e com memória meramente instintiva vivem esses fatos como se apresentam, buscam a segurança e o alimento e fogem do perigo. Os primeiros seres capazes de algo parecido com o que hoje denominamos pensamento devem ter estabelecido alguma correlação entre consequências e causas, e atribuíram-nas a algo que os transcendia, na busca de ter algum controle sobre isso.
Hoje esta busca pelo “maravilhoso” se manifesta nas redes sociais, nas quais incensamos pessoas absolutamente comuns – quando não pessimamente intencionadas – como se fossem gurus a serem imitados, e tentamos nos mostrar jovens, inteligentes, bem relacionados, frequentadores de locais surreais que causam ciúme.
Escolas de todos os níveis têm tentado trabalhar com o saber relacionado ao que consideramos “fora da natureza”, que também constituem nosso legado cultural, e o senso de realidade, indispensável à adaptação ao processo de ensino e aprendizagem.
Crianças e jovens parecem viver cada vez mais nas telas, o que torna tal intenção pedagógica um pouco difícil.
Wanda Camargo: educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil.


Constatar que o ser humano passou dos ossos atravessados no nariz mostrados aos próximos, aos brincos atravessados no nariz mostrados ao mundo via Instagram demonstra que os meios evoluíram, o ser humano não mudou nada.
CurtirCurtir