Retomando a definição que vem nos acompanhando nos últimos 3 artigos, considerando o sujeito ou corpo social como a associação de pessoas vivendo em uma sociedade capitalista que pelo modo de “atuação” desta ideologia encontram-se divididas em classes, “que por questões objetivas, concretas, tem condições de vida, relações, sofre opressões ou se beneficiam das relações de opressão, comuns. Ou seja, um grupo de seres humanos que formam uma comunidade concreta, objetiva, por conta das relações materiais a que estão submetidos; (MARIBONDO, 2017) onde as diferentes funções são economicamente e por consequência, socialmente diferentes.
Este conceito, construído no decorrer do tempo histórico, quando das intervenções realizadas nos espaços públicos de relação, após a República brasileira, instaurada sem participação popular, em 15 de novembro de 1889, (como visto no artigo anterior) que se assentou inicialmente em um pacto político realizado entre as elites (corpos sociais) civis agrárias e os militares representados na figura dos dois primeiros presidentes, procurando-se utilizar da ação educacional para tentar (re)inventar a nação, inaugurar uma nova era, novos tempos, com base no ideário do Iluminismo republicano e do espírito de federação ornadas com o pensamento Positivista, cuja a característica foi a de promover ações sociais independentes da vontade dos corpos sociais externos ao da burguesia e das elites políticas, – imposições de um poder que privilegiou certos grupos sociais -, procurando através da proposta educacional estabelecer as posições dos indivíduos no todo social.
A primeira Constituição Republicana imposta em 1891 restringia a participação democrática da sociedade ao impedir os pobres, as mulheres, os soldados rasos e os religiosos de se manifestarem através do voto. Ao mesmo tempo exibia o pensamento de que a educação pública seria o caminho a percorrer para a construção da identidade nacional, reafirmando-se em uma notável crença no poder redentor e civilizador da educação.

Fotografia 1 – Aula de costura para meninas (1895), sem autor definido. Disponível no site https://lemad.fflch.usp.br/node/5285. Acesso set 2025.
De fato, a Constituição de 1891 não trouxe alterações significativas no que tange à distribuição de competências. O Ato Adicional de 1834 conferiu às Províncias do Império a obrigação de legislar, preparar e fiscalizar “o ensino primário e secundário, restando ao governo central, através da pasta do Ministério do Império, a gestão de ambos os graus na Corte, e do ensino superior em todo o país”. (SCHUELER e MAGALDI. 2009, s.p.)
Com a República, o princípio federativo fundamentava a determinação de que os estados e municípios responderiam pela tarefa de criar e desenvolver o ensino primário e secundário, ficando com e à União a responsabilidade pelo ensino superior, além do ensino primário e secundário na capital do país, atribuição que repartiria, em regime de colaboração e concorrência, com o poder municipal, o Distrito Federal. “Essa descentralização conservava a precariedade do ensino primário nas diversas regiões do país, uma vez que a maioria delas era incapaz de arcar com essas despesas” (LOPES. s.p.); e desta forma, possibilitando acesso à educação superior apenas aos sujeitos pertencentes ao corpo social representante dos poderes políticos e econômicos da época, conforme observa-se na fotografia 1, onde não há a presença de indivíduos da etnia negra entre as alunas, numa atividade relacionada a condição da mulher na sociedade da época. É preciso destacar as diferenças existentes entre as regiões quanto à riqueza dos Estados brasileiros, o que permanece ainda nos dias atuais.
A educação responderia mais uma vez aos interesses maiores do Estado (um Estado sem representatividade popular) conforme o fora quando do período jesuítico, que atendeu ao projeto colonizador e formatador da sociedade brasileira “instaurado” pelo Império Português, ou quando das reformas iniciadas com o alvará de 28 de junho de 1759, no conjunto das reformas políticas, administrativas, econômicas, educacionais e culturais determinadas pelo ministro Sebastião José de Carvalho e Melo, o marquês de Pombal, durante o reinado de d. José I entre os anos de 1750 e 1777.
A ideia central das ações educacionais objetivava a formação de um “novo homem”, impondo uma nova ordenação pedagógica, incluindo-se nesta, a constituição de espaços físicos da escola adequados a perspectiva civilizatória, conforme também se empreendeu nas cidades, como no caso da citada (no artigo anterior) reforma urbana no Rio de Janeiro. Os prédios escolares deviam representar o lugar da formação do cidadão republicano, e precisariam refletir o papel social da instrução primária e dos valores atribuídos à educação. “Esse viés civilizador se dirigia a um público interno à escola, constituído basicamente por alunos e famílias, estendendo-se ainda para fora dos muros escolares, de modo a atingir a sociedade como um todo.” (SCHUELER e MAGALDI. 2009, s.p.)
Desta forma, prédios como os da fotografias 2 e 3, procuravam atender a formação social neste novo ordenamento, mas e principalmente, servirem de espaços aos filhos dos corpos sociais representativos das elites de então; (..). um primeiro passo sem o qual não pode o homem melhorar ou progredir [ porque] não há civilização sem sucessivas conquistas da intelligencia; esta só com a cultura se desenvolve: essa cultura é a instrucção, de que a primaria é o fundamento. (Relatório do Ministério dos Negócios do Império de 1871, apresentado em maio de 1872, p.18)

Saviani (s.p.) afirma que neste período “emergia a tendência a considerar a escola como a chave para a solução dos demais problemas enfrentados pela sociedade, dando origem à ideia “da escola redentora da humanidade”, pensamento ainda presente na cultura educacional da nossa atual sociedade brasileira.
Brazil (2013) afirma que em termos sociais a escola primária republicana atendia o encargo de fomentar a constituição do caráter, do aprimoramento das virtudes morais e dos sentimentos cívicos da disciplinarização da criança, representados nos cultos aos livros, aos símbolos da pátria, às atividades festivas e às cerimônias laudatórias aos vultos históricos brasileiros. “Agregados ao tempo escolar estavam o calendário cívico e a literatura cívico-pedagógica, em cujo projeto afigurava-se um tipo humano a ser moldado a partir de um caráter útil à nação e destinado a dar bons exemplos.” (BRAZIL. 2013, s.p.)

Fotografia 3: Escola Normal no Rio de Janeiro (1914-1930) Foto: Malta (AGCRJ). Disponível no site https://heloisahmeirelles.blogspot.com/2013/06/nenhum-bicho-barbado-se-atreveu-manter.html. Acesso set 2025.
Este ideário avançava a época as questões de ordem pedagógica, encontrando na cultura científica um contexto onde esta se efetivava pelo seu papel de fazer obedecer, executar e concretizar as ideias do Iluminismo e da civilização ocidental por meio da produção do saber e das ações higienistas promovidas com apoio e pelo Estado.
A historiografia brasileira tem mostrado que no Brasil do início do século passado, os juristas e médicos constituíram-se num grupo importante para não só pensar, mas também disseminar novas ideias e comportamentos. Juntamente com eles estavam os educadores que, segundo Nunes (1994) além da instrução pública também contribuíram com o paradigma civilizatório da modernidade quando engendraram novas representações do espaço urbano. Podemos afirmar, neste sentido, que os redutos acadêmicos produziram homens letrados que vieram a público anunciar como propósito colocar o Brasil no esteio das sociedades civilizadas (MONARCHA, 1990).[1]
Por todo o país, a ação modernizadora e civilizadora da República definia a aproximação da educação pública e a saúde, refletindo na estrutura do edifício escolar, obra arquitetônica atentada com o arejamento, a luminosidade, a higiene, elaborado visando à prevenção de epidemias.
Racionalismo e higienismo caminharam juntos nas décadas iniciais da República até praticamente o final dos anos de 1920, como postulados imperativos às novas formas de pensar a educação: bacias, limpa-pés, lavatórios e escarradeiras, o asseio e a decência eram considerados signos culturais que marcavam a boa educação.
Tendo como parâmetro a escola urbana, moderna e complexa, os grupos escolares foram instalados em diversas cidades de diferentes estados do país, em prédios especialmente construídos para abrigá-los, (…) uma arquitetura monumental e edificante, que colocava a escola primária à altura de suas finalidades políticas e sociais e servia para propagar o regime republicano, seus signos e ritos. [2]
Priore e Venâncio destacam em sua obra este momento da Historia do Brasil, assinalando:
Os anos posteriores à proclamação da República foram marcados por um turbilhão de transformações. A europeização, antes restrita ao ambiente doméstico, transforma-se agora em objeto – o melhor seria dizer “em obsessão” – de políticas públicas. Tal qual na maior parte do mundo ocidental, as cidades, prisões, escolas e hospitais brasileiros passam por um processo de mudança radical, em nome do controle e aplicação de métodos científicos; crença que também se relacionava com a certeza de que a humanidade teria entrado em uma nova etapa de desenvolvimento material, marcado pelo progresso ilimitado. Por apresentar uma visão otimista do presente e do futuro, o período que se estendeu do final do século XIX ao início do XX, foi caracterizado – no melhor sentido europeizante dos meios culturais brasileiros de então – como sendo uma belle époque.” [3]
Continua…
Referencias:
BRAZIL, Maria do Carmo. Na República, a escola passou a ser vista como instrumento de higienização e moralização patriótica. Disponível em https://ufrb.edu.br/bibliotecacfp/noticias/256-na-republica-a-escola-passou-a-ser-vista-como-instrumento-de-higienizacao-e-moralizacao-patriotica. Acesso set 2025.
MARIBONDO, Santiago. O que é um sujeito social? Hegemonia proletária e construção de um sistema de alianças na luta anticapitalista. Disponível em https://quilombospartacus.wordpress.com/2017/05/29/o-que-e-um-sujeito-social-hegemonia-proletaria-e-construcao-de-um-sistema-de-aliancas-na-luta-anticapitalista/. Acesso mai 2025.
MONARCHA, C., apud, SILVA, Tânia Maria Tavares da; LOVISOLO, Hugo Rodolfo. Filhos da “fragilidade” humana e o processo civilizador: uma visão através do jurídico. Disponível no site: < http://www.periodicos.ufgd.edu.br/index.php/educacao/article/viewFile/1455/pdf_89.> Acesso em jan. 2015.
[2] SCHUELER, Alessandra Frota Martinez de; MAGALDI, Ana Maria Bandeira de Mello. Educação escolar na primeira República: memória, história e perspectivas de pesquisa. Disponível no site: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413-77042009000100003&script=sci_arttext> Acesso em jan. 2015.
[3] DEL PRIORI, Mery; VENÂNCIO, Renato Pinto. O livro de ouro da História do Brasil, do descobrimento à globalização. Ediouro. Rio de Janeiro/RJ. 1ª reimpressão revista e ampliada. 2006, p. 273.

Trabalho excelente pela fundamentação histórica e agudeza da análise. Parabéns!
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Obrigado amigo por sua contribuição.
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