Comunidades caiçaras e a luta pela preservação cultural: O papel da Educação Patrimonial

O artigo aqui transcrito em forma de resumo foi apresentado no XXXII Colóquio AFIRSE Portugal, realizado no Instituto de Educação da Universidade de Lisboa. O evento ocorreu entre os dias 6 e 8 de fevereiro de 2025, com o tema “Educação, Participação e Democracia: Contributos da Investigação”. 

AFIRSE é a sigla de Association Francophone Internationale de Recherche Scientifique en Éducation, ou seja, Associação Francófona Internacional de Pesquisa Científica em Educação. A organização internacional com sede na França, é dedicada à investigação no campo educacional, possuindo seções em diversos países, incluindo Portugal e Brasil. 

“As comunidades tradicionais caiçaras do litoral brasileiro vivem um paradoxo entre a preservação de seus saberes e a crescente urbanização e turismo. Situadas em áreas de grande relevância ecológica e cultural, essas populações enfrentam desafios que vão desde a falta de infraestrutura até conflitos com unidades de conservação ambiental. Nesse contexto, a Educação Patrimonial surge como uma ferramenta para a valorização e salvaguarda de sua identidade e memória coletiva.

Menino brinca na baía de Guaraqueçaba

Um estudo recente realizado no município de Guaraqueçaba, no Paraná, buscou investigar como o conhecimento tradicional caiçara pode ser reconhecido e integrado às práticas educacionais. A pesquisa foi conduzida por meio de uma Jornada Formativa em Educação Patrimonial, um conjunto de atividades pedagógicas que envolveu estudantes das escolas do campo e membros da comunidade local. A iniciativa promoveu oficinas, encontros, rodas de conversa e um registro fotográfico do cotidiano dos pescadores e agricultores familiares, permitindo a construção de um inventário cultural da região.

Cerâmica artesanal para confecção de panelas e outros utensílios

A proposta se alinha à Base Nacional Comum Curricular (BNCC), integrando a Educação Patrimonial ao componente curricular de Projeto de Vida e disciplinas como Sociologia e Antropologia. Dessa forma, os estudantes foram incentivados a refletir sobre o patrimônio cultural como parte de sua própria trajetória, fortalecendo a relação entre conhecimento escolar e saberes locais.

Roda de conversa entre professores, estudantes e moradores locais.

Ao longo da pesquisa, ficou evidente que a transmissão do conhecimento tradicional não ocorre apenas na escola, mas nos espaços comunitários, no contato diário com a natureza e na oralidade passada entre gerações. Esse aprendizado fortalece a identidade cultural e reforça o sentimento de pertencimento, essencial para a manutenção das tradições.

Artesão fabricante de instrumentos musicais que servem à manutenção do “Fandango”, dança local.

Entretanto, as comunidades enfrentam obstáculos estruturais e sociais que ameaçam sua continuidade. A pressão do mercado imobiliário e as políticas de conservação ambiental, muitas vezes implementadas sem a participação da população local, criam desafios adicionais. Diante disso, o estudo aponta que a educação deve ir além do ensino formal e atuar como uma ferramenta de empoderamento, promovendo autonomia e resistência frente às transformações impostas.

Barcos de pescadores de Guaraqueçaba, no litoral do Paraná.

A pesquisa conclui que a Educação Patrimonial, quando integrada ao currículo e articulada com os valores da comunidade, tem o potencial de transformar a escola em um espaço de valorização dos saberes tradicionais, fortalecendo a identidade caiçara e promovendo uma educação mais democrática e inclusiva. Ao reconhecer a riqueza cultural dessas populações e estimular o diálogo intergeracional, abre-se caminho para um modelo educacional que respeita e preserva a diversidade cultural do país.”

Criança participante do curso de Fotografia, registra uma festa local

Texto e Fotos: Julio Cesar Ponciano

Julio Cesar Ponciano – Doutorando no programa de pós-graduação em Educação – PPGE – UFPR; Mestre em Antropologia Social – UFPR; Cientista Social – UFPR (Universidade Federal do Paraná). Atua junto às comunidades tradicionais caiçara do litoral do Paraná nas áreas de Educação, Patrimônio Histórico Cultural e Meio Ambiente.

Depoimento sobre o AFIRSE Portugal 2025 – Profa. Sonia Maria Chaves Haracemiv:

É com grande satisfação que compartilho minhas impressões sobre a edição 2025 do evento do AFIRSE, realizada em fevereiro, em Lisboa, Portugal. Participar deste encontro é sempre uma experiência enriquecedora e estimulante para minha atuação como professora e pesquisadora na área da educação.

O AFIRSE 2025 se destacou por reunir um público diversificado de pesquisadores, professores e profissionais da educação de diferentes países, proporcionando um ambiente de troca de conhecimentos e experiências de grande relevância. Essa interlocução internacional, especialmente entre Brasil e Portugal, reafirma a importância de manter pontes sólidas de cooperação acadêmica, cultural e humana, ampliando a compreensão de que os desafios e as esperanças da educação ultrapassam fronteiras geográficas.

Inspirada pelo pensamento de Paulo Freire, percebo que o AFIRSE é um espaço vivo de pedagogia dialógica: um encontro em que se aprende e se ensina ao mesmo tempo, em que a escuta atenta e o respeito ao outro fundamentam a produção de conhecimento. Essa perspectiva reafirma que a educação, enquanto prática  da liberdade, é também um ato político, capaz de contribuir para a formação de sujeitos críticos e comprometidos com a transformação social.

As apresentações de trabalhos, sempre de alta qualidade, abrangeram uma ampla gama de temas relevantes para a educação contemporânea, revelando rigor científico e sensibilidade diante dos contextos humanos que atravessam a escola e a sociedade. É inspirador ver pesquisadores e pesquisadoras empenhados em pensar soluções inovadoras para os desafios educacionais, convictos de que o conhecimento produzido deve dialogar com a realidade e servir à emancipação das pessoas.

Além das sessões de apresentação, o evento contou com conferências de especialistas renomados, mesas redondas e workshops. Esses momentos ampliaram as possibilidades de reflexão sobre a educação como um todo, desde questões de política educacional e práticas pedagógicas até dimensões culturais, sociais e tecnológicas, fortalecendo o compromisso da educação com a democracia no mundo, num tempo em que valores democráticos precisam ser reafirmados e defendidos.

Em resumo, a participação no AFIRSE 2025, foi e é sempre uma experiência profundamente positiva e impactante em minha trajetória profissional e de meus orientandos, pois participo deste evento desde as suas primeiras edições. A cada ano renovo a possibilidade de novas perspectivas, aprendizados significativos e o desejo de contribuir para o avanço da pesquisa e da prática educacional, inspirada pela certeza de que a educação é um caminho essencial para a construção de um mundo mais justo, democrático e inclusivo.

Julio Ponciano e profa. Sonia Haracemiv, orientadora de Doutorado (UFPR).

Izabel Liviski (Bel Liviski) – Professora e Fotojornalista, é articulista e coeditora da Revista ContemporArtes desde 2009. É também editora do TAK! Agenda Cultural Polônia Brasil. Mestre e Doutora em Sociologia pela Universidade Federal do Paraná.

Contato: bel.photographia@gmail.com

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