Tons da Terra: Entre mãos e fogo

“A cerâmica é uma ponte entre os mundos interior e exterior” (Livre adaptação de Bernard Leach, A Potter’s Book. London: Faber and Faber, 1940)

De 4 de julho a 21 de agosto, o Espaço Francis Bacon, no Museu Egípcio Rosacruz, em Curitiba, recebe a exposição Tons da Terra – Entre Mãos e Fogo, uma mostra coletiva dedicada inteiramente à cerâmica contemporânea. Reunindo artistas de diversas regiões do Brasil, a exposição celebra o processo criativo da cerâmica como uma arte milenar, destacando a tradição, a sensibilidade e a força transformadora da modelagem em argila.

A mostra apresenta obras que nascem do encontro entre mãos, terra e fogo. Ao valorizar essa prática ancestral, busca difundir, preservar e estimular os saberes ligados à produção cerâmica, despertando no público o interesse, a compreensão e o desejo de se aproximar dessa forma de expressão artística.

“Angustifólias” – Gi Mazzeto

Idealizada pela Ornatto Artes, a exposição reúne 86 artistas de diferentes regiões do Brasil. Essa diversidade revela a riqueza de olhares e técnicas, evidenciando a relação única entre cada artista e sua matéria-prima. Afinal, o trabalho com a argila envolve cuidado, tempo e sensibilidade — uma combinação que transforma matéria bruta em arte viva.

Criar cerâmica é um ato de conexão e celebração da natureza. É transformar o simples em arte, o barro em beleza, e levar um pouco desse encanto para o mundo”, afirma Edilene Guzzoni, uma das curadoras da mostra. A exposição convida o público a desacelerar, contemplar e se reconectar com o essencial.

Muito antes de escrevermos com palavras, escrevemos com as mãos, no barro. A cerâmica está entre as primeiras formas de criação humana: surgida há mais de dez mil anos, nos períodos neolíticos, quando o ser humano começou a se fixar em aldeias, cultivar a terra e armazenar seus alimentos. De necessidade prática, ela passou a carregar também marcas simbólicas, rituais, estéticas. Vasos funerários, urnas pintadas, figuras votivas: a cerâmica foi, desde o início, arte e testemunho. Em cada fragmento escavado — no Japão, na Mesopotâmia, na África ou na América pré-colombiana — encontramos vestígios do pensamento humano em estado de barro.

“Wild Generation” – Fernando Robert

Trata-se, talvez, da mais democrática das artes: feita da mesma matéria sobre a qual pisamos, trabalhada com as mãos nuas e transformada pelo fogo, esse elemento ao mesmo tempo temido e venerado. A cerâmica une os quatro elementos em um só gesto criador: terra, água, ar e fogo. Ela atravessa séculos e continentes, reinventando-se em técnicas, cores, formas, mas sempre mantendo esse vínculo visceral com o humano e o natural.

A cerâmica é mais do que uma arte; é um caminho de conexão profunda com a natureza. Trabalhar com argila nos faz sentir parte da terra, moldando com as mãos um material que carrega em si a memória do tempo. Cada peça que criamos nasce desse vínculo, dessa relação íntima entre a matéria-prima e a transformação pelo fogo.

Ela não é portanto, apenas uma técnica ou uma expressão estética, é a poética da lentidão, um ritual da escuta e uma forma de filosofia em estado bruto…Quando mergulhamos as mãos na argila, não estamos apenas moldando formas: estamos sendo moldadas por elas. O gesto ceramista é também um gesto de humildade radical: diante da Terra, do Tempo, do Fogo.

A pintura na cerâmica é a continuação desse processo, onde a criatividade se manifesta em cores, texturas e formas. Ao pintar, sentimos que damos vida às peças, trazendo um pouco da essência do artista para cada traço. Seja com engobes, óxidos ou esmaltes, a pintura é uma forma de diálogo entre emoções e o objeto que está sendo criado.

Além da beleza estética, a cerâmica nos proporciona momentos de contemplação e aprendizado. É um ofício que exige paciência e respeito pelo tempo da argila, pelo calor do forno e pelas surpresas que surgem no resultado final. Cada peça carrega não só o trabalho, mas também a energia do processo, tornando-se única e especial.

Em tempos acelerados, onde o toque virou swipe e o artesanato cedeu espaço ao algoritmo, a cerâmica reaparece como um gesto insurgente. Ela desacelera. Ela exige o corpo presente. Ela reumaniza. Em sua materialidade terrosa e cálida, ela recupera a experiência sensível do mundo. Cada peça feita à mão carrega em si um fragmento do artista: seu ritmo cardíaco, sua hesitação, sua alegria, sua entrega. A cerâmica é, assim, um espelho tátil da alma de quem a cria.

A cerâmica, enfim, nos devolve à Terra, não como recurso, mas como relação. Ela nos ensina que não há arte sem paciência, nem criação sem risco. Que tudo o que se transforma carrega consigo vestígios do que foi. E que, entre mãos e fogo, habita um mundo possível, mais lento, mais justo, mais belo.

SERVIÇO

Mostra: Tons da Terra – Entre Mãos e Fogo
Local:
Espaço Francis Bacon – Museu Egípcio Rosacruz
Endereço: Rua Nicarágua, 2641 – Bacacheri – Curitiba/PR
Período:
De 4 de julho a 21 de agosto de 2025
Horário: Segunda a sexta-feira, das 10h às 17h e sábado, das 14h às 17h
Entrada:
Gratuita

Realização: Ornatto Artes
Curadoria:
Edilene Guzzoni e Ana Lúcia Verdasca Guimarães

Informações para a imprensa:
Edilene Guzzoni – (41) 99615-5757 | edileneguzzoni@gmail.com

Izabel Liviski (Bel) é professora e fotojornalista. Doutora em Sociologia pela UFPR, é editora do TAK! Agenda Cultural Polônia Brasil, articulista da Revista ContemporArtes desde 2009 e co-editora da mesma.


4 comentários em “Tons da Terra: Entre mãos e fogo

  1. O ser humano veio do barro. O barro foi a matéria prima de nossas primeiras obras. Excelente lembrança a deste artigo. Parabéns!

    PS: como já informei esse wordpress é o anti-site.

                       Pucci.’. WhatsApp: (41) 99964-8733

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