Robert Doisneau, o fotógrafo dos « pequenos nadas » (Le photographe du « petits riens »)

“Durante toda a minha vida, me diverti, criei meu próprio teatrinho.” (“Toute ma vie, je me suis amusé, je me suis fabriqué mon petit théâtre”)

A imagem de Robert Doisneau (1912-1994), está intimamente associada a Paris: seus amantes, seu metrô, suas ruas operárias, seus subúrbios e cenas da vida cotidiana. Comprometido com a estética do preto e branco, o fotógrafo nos oferece uma visão de mundo entre o realismo e o pitoresco. Sua obra, profundamente humanista, também é permeada por uma reflexão sobre o mundo e os laços sociais, abordando temas como pobreza, solidão e infância, sem, contudo, recair no miserabilismo. Esperança e ternura, às vezes ironia, permeiam sua obra. Robert Doisneau é, sem dúvida, um dos fotógrafos mais populares do pós-guerra.

Nascido em 1912, na cidade de Gentilly, próxima de Paris, em uma família de classe média baixa, Doisneau, que pouco se importava com os estudos, preferia matar aula e começou a fotografar ainda muito jovem. Aos 15 anos, aprendeu o ofício de gravador-litógrafo na École Estienne (formando-se em 1929) e iniciou sua carreira como designer de rótulos. Mas sua paixão pela fotografia logo o alcançou.

Em 1931, Doisneau tornou-se assistente de câmera de André Vigneau, que lhe ensinou a técnica fotográfica. Entrou em contato com o mundo das artes através de artistas de vanguarda, como Raoul Dufy, Jacques Prévert, Man Ray etc. e comprou uma Rolleiflex. O fotógrafo publicou sua primeira reportagem no jornal Excelsior.

Fez seu ingresso na empresa Renault em 1934 como fotógrafo industrial. Sua missão era documentar os canteiros de obras das fábricas de Boulogne-Billancourt. Dois anos depois, interessou-se pelo movimento da Frente Popular, bem como pelas ideias dos partidos de esquerda. Após sua experiência na Renault, Doisneau se estabeleceu como fotógrafo freelancer em 1939 e começou a colaborar com a agência de fotojornalismo Rapho.

Doisneau, autorretrato com Rolleiflex, 1947

Quando a guerra eclodiu, ele foi convocado como soldado de infantaria, serviu como observador telefônico na Alsácia antes de ser dispensado e servir à resistência em seu estúdio em Montrouge, falsificando documentos. Em 1942, ele e sua esposa Pierrette tiveram sua primeira filha e ele trabalhou intensamente para sustentar sua família, principalmente ao lado de Henri Cartier-Bresson em uma nova agência de fotografia.

Foi nos anos do pós-guerra que Doisneau alcançou sua fama. Em 1947, recebeu o prêmio de Melhor Fotógrafo Jovem. Colaborou com Blaise Cendrars, restabeleceu um círculo de amigos e passou muito tempo com Jacques Prévert. Em 1949, foi contratado pela revista Vogue, trabalhou para a revista Life e participou de exposições coletivas em museus de prestígio, ao lado de Brassaï, Cartier-Bresson e Willy Ronis, publicando também suas fotografias em livro.

Esse sucesso o levou a viajar para os Estados Unidos na década de 1960. Fotografou Nova York, conheceu estrelas de cinema e estendeu sua viagem até Montreal. Isso, no entanto, não o afastou de suas convicções políticas e sindicais, concentrando sua atenção no destino das classes trabalhadoras nos grandes centros urbanos. Vários filmes prestaram homenagem ao seu olhar na década de 1970.

Doisneau pertencia ao movimento da fotografia humanista, interessado nas condições de vida de seus semelhantes, nas interações sociais e na vida uns dos outros. Frequentemente, escolhia fotografar “pequenos nadas”, momentos roubados, enquanto caminhava pelas ruas de Paris, com a câmera na mão. Ele sabia como “roubar”, como ele mesmo dizia, alguns segundos da eternidade.

Na década de 1980, tornou-se figura de destaque na fotografia francesa, foi contratado pela missão de fotografia pública da DATAR (Delegação Interministerial para o Planejamento e Atratividade Regional), onde voltou a fotografar os subúrbios. Em 1992, dois anos antes de sua morte, uma grande retrospectiva de sua obra foi organizada pela Modern Art Oxford. Robert Doisneau, falecido em abril de 1994 em Paris, deixou 450.000 negativos que testemunham a energia incansável de seu olhar, aos quais os Rencontres Photographiques d’Arles prestaram homenagem postumamente em 1994.

Algumas de suas obras icônicas:

“O beijo do Hotel de Ville”, 1950.

Talvez a foto mais conhecida de Doisneau, ela foi encomendada pela revista Life. Sentado no terraço de um café, ele captura o beijo rápido — um tema recorrente para o fotógrafo — de dois amantes em frente à Prefeitura de Paris. Embora a fotografia pareça ser um momento roubado, descobre-se que o próprio fotógrafo encenou os dois jovens, estudantes de teatro, que foram pagos pela sessão. Em 1992, depois que a fotografia se tornou famosa, eles processaram Doisneau por violação de privacidade. Tendo o consentimento estabelecido, o caso foi arquivado e, apesar da controvérsia que provocou, a foto permanece um símbolo inabalável do amor e de Paris.

“Almoço sobre a relva” (publicidade para a Renault), 1946

Aqui Doisneau revisita um tema impressionista, e o atualiza ao fazer com que funcionários da montadora e seus familiares posassem em frente a um carro. Naquele ano, os franceses tiveram suas primeiras férias remuneradas após grandes greves. As fotografias que ele tirou na época refletem uma preocupação social por trás da felicidade demonstrada, especialmente porque a maioria dos franceses não tinha condições de comprar um carro na época.

“A Libertação de Paris, crianças brincam com equipamentos alemães”, 1944

Por trás da atitude despreocupada associada à infância, Doisneau fotografou o alívio vivenciado pelos franceses na época da Libertação. Antes disso, ele se interessava pelo lado mais sombrio da Ocupação: soldados da SS saindo do metrô ou exibindo suas bandeiras em frente à Torre Eiffel. Suas imagens eram produzidas em impressoras clandestinas. Este é talvez um aspecto menos conhecido, mas essencial de sua obra, que o coloca no mesmo patamar político e engajado de Robert Capa.

Está em cartaz no Museu Maillol (Paris, 7° arrondisement) a exposição “Instants Donnés” de Robert Doisneau até 12 de outubro deste ano.

A exposição apresenta mais de 350 fotografias selecionadas para um passeio pela complexa obra de um artista tantas vezes simplificado, que aqui redescobre sua dimensão poética e profundamente humana. Testemunhando sua época, das décadas de 1930 a 1980, Robert Doisneau fotografou a infância, seus subúrbios parisienses, os ateliês de pintores e escultores, encontrando a obra de Maillol, a moda e o luxo do pós-guerra, ao mesmo tempo em que traçava uma observação social de um mundo implacável com o qual sempre se sentiu solidário.

Musée Maillol 59-61 Rue de Grenelle
Paris, França

Fonte: https://museemaillol.com/

Bel Liviski e Christian Aprile no Espaço Robert Doisneau, em Meudon, França (fevereiro/2025)

Agradecimentos:

Agradeço imensamente aos amigos Beatriz Cruz e Christian Aprile pelo apoio nesta viagem. Ao Chris por ter compartilhado seu espaço, momentos culturais e gastronômicos, um anjo cuidando de mim.

Bel Liviski et Christian Aprile à l’Espace Robert Doisneau, à Meudon, France (février /2025)

Remerciements:

Je suis extrêmement reconnaissante à mes amis Beatriz Cruz et Christian Aprile pour leur soutien lors de ce voyage. Au Chris pour avoir partagé son espace, ses moments culturels et gastronomiques, un ange aux petits soins pour moi.

6 comentários em “Robert Doisneau, o fotógrafo dos « pequenos nadas » (Le photographe du « petits riens »)

  1. A matéria sobre o trabalho de Doisneau me fez refletir sobre o verso com que Murilo Mendes encerra seu soneto sobre S. João da Cruz: “Para vir a ser tudo é preciso ser nada”. Parabéns, Bel!

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