A FOTOGRAFIA E A REPRESENTAÇÃO DO CORPO SOCIAL

Considerados na atualidade como pensadores clássicos da sociologia, o filósofo e economista Karl Max e o sociólogo francês Émile Durkheim apresentam-se divergentes quanto à visão da sociedade e dos fenômenos de relação que nela estão inseridos.

Fotografia 1: As filhas de Max, Eleanor, no meio, junto com suas irmãs Jenny (esquerda) e Laura. Elas são acompanhados pelo pai, Marx, e seu amigo, Engels. Disponível https://historia.nationalgeographic.com.es/a/karl-marx-rebelde-a-revolucionario_12608

Durkheim, adepto de um método por ele criado (Método Comparativo: Observação, hipótese e experiências controladas), entendia que a ação impetrada pelo sujeito social respondia a uma função no espaço de relação da sociedade onde estaria inserido e desta forma, não ocorreria movimentos irracionais e sim experiências e práticas coletivas. A sociedade é como um corpo formado pela associação dos indivíduos que para um funcionamento harmônico precisa que todos atuem de forma correta.

Fotografia 2: A família Durkheim em férias, 1915: da esquerda para a direita: Mme Louise Durkheim, M. Emile Durkheim, Claudette Raphaël (mais tarde Bloch e depois Kennedy), Mme Raphaël, Madeleine Raphaël e André Durkheim (fotografia tirada pela filha de Durkheim, Marie Halphen, Saint-Valéry-en-Caux, agosto de 1915).

Sobre Marx e sua família, escreve Michelle Perrot, quando em seu livro trata das correspondências das suas filhas: “Desta correspondência, a família Marx é então o teatro e o ator. Surpreendente família, judia em sua estrutura muito patriarcal, vitoriana em seus costumes, e atravessada por um grande projeto que faz sua unidade e solda seu destino”. (Perrot. 2005, p. 49)

O projeto social de Kal Max terá sua interpretação ou visão da sociedade vinculado aos movimentos operários, e a experiência de família destes, em uma paisagem social onde a Revolução Industrial, eminentemente burguesa, começa a definir um “corpo social” onde as diferentes funções são economicamente e por consequência, socialmente diferentes.

O que poucos discorrerem é sobre a presença da esposa, filhas e genros na revisão de sua obra. “É verdade que, no seu início, o marxismo apoiou-se no núcleo das filhas e dos genros e na rede dos amigos. As relações interpessoais foram ali fundamentais.” (Perrot. 2005, p. 71) Os pensamentos de Kal Marx – no socialismo moderno, – indica a necessidade de uma organização do proletariado para que as funções sociais previamente determinadas pelo próprio corpo social, como preconiza Durkheim, permita a abolição da propriedade privada dos meios de produção, o que seria para Max, indispensável para acabar com a exploração do homem pelo homem.

Fotografia 3: Jenny e seu marido Karl Marx. Disponível em https://www.socialistamorena.com.br/karl-marx-marido-e-pai-por-rosane-pavam/

Para Maribondo (2017):

A primeira coisa a termos claro nessa questão é definirmos o que é um sujeito social, quais suas características? Grosso modo, penso que poderíamos definir um sujeito social como um grupo de seres humanos, dentro de uma sociedade dividida em classes, que por questões objetivas, concretas, tem condições de vida, relações, sofre opressões ou se beneficiam das relações de opressão, comuns. Ou seja, um grupo de seres humanos que formam uma comunidade concreta, objetiva, por conta das relações materiais a que estão submetidos. A partir dessas questões objetivas esses sujeitos sociais acabam expressando e se aproximando por interesses comuns, lutas comuns, pautas e demandas comuns, ou seja, passam a viver mais ou menos conscientemente essa sua comunidade objetiva e concreta de relações de forma subjetiva.

Neste contexto, é da possibilidade da função social da família que o operariado determina lugares “moveis” para a mulher, por exemplo, (a mulher também operária – apesar de ser esta uma condição adquirida com lutas mesmo dentro do movimento do proletariado), que o corpo social não deve funcionar apenas sob as ordens sociais de grupos privilegiados. “A operária sofre uma dupla opressão: como mulher e como operária.” (Perrot. 2005, p.156)

Fotografia 4: A primeira greve geral da história do Brasil ocorreu em 1917, em São Paulo (SP), e as mulheres estavam na linha de frente. Na imagem trabalhadoras e trabalhadores no Cotonifício Crespi, na Mooca, São Paulo, em 1917. Arquivo da Unicamp. Disponível https://www.brasildefato.com.br/2019/05/01/mulheres-estavam-na-linha-de-frente-da-primeira-greve-geral-da-historia-do-brasil/

É evidente que os sujeitos sociais básicos, fundamentais, no capitalismo são as classes sociais. Por suas posições concretas na produção social da riqueza as diferentes classes acabam tendo e estabelecendo relações entre seus indivíduos e aqueles que pertencem às outras classes, que são semelhantes. O trabalho assalariado, alienado, feito para outro e sob o mando de outro é, por exemplo, uma relação objetiva que apesar de poder ser vivida de diferentes formas permeia a relação com o mundo, com o ambiente natural e social, de todo o proletariado. Essa relação objetiva e concreta com o mundo vivida de forma semelhante por um amplo grupo de pessoas faz do proletariado objetivamente um grupo social específico na sociedade capitalista, que tem interesses e lutas comuns a serem vividas. (Maribondo, 2017)

Para Durkheim as ações sociais ocorrem independentes da vontade do indivíduo (o que embasa as imposições de um poder que privilegia certos grupos sociais e definem posições do indivíduo no todo social); ocorrem também como forma de coerção, para os que não se permitam a ideia de que a sociedade é anterior ao próprio indivíduo e que neste contexto, devem ser cumpridas por todos.

Assim Durkheim circunscreve seu pensamento sobre o “fato social”, onde a sociedade motiva as ações do indivíduo e desta forma estabelece seu lugar no corpo social, diferentemente, Marx avança no pensamento de que os movimentos da sociedade em busca das relações sociais que estabelecem privilégios conduzem necessariamente a “luta de classes” demudando os fenômenos sociais. Durkheim entende a luta entre as classes como uma anormalidade no que concerne às relações sociais. De que maneira a imagem fotográfica e seus diversos usos nos embates de memória constroem “olhares” sobre o corpo social, considerando que memória, lembrança e esquecimento níveis intermediários entre tempo e narrativa histórica?

A fenomenologia da memória inicia deliberadamente por uma análise voltada para o objeto de memória, a lembrança que temos diante do espírito; depois, ela atravessa o estágio da busca da lembrança, da anaminésia, da recordação; passa-se, finalmente, da memória dada e exercida à memória refletida, â memória de si mesmo. (RICCEUR. 2010, p 17/18)

Desta forma existe uma relação objetiva e concreta entre a memória de si mesmo e a inserção deste sujeito ao corpo social; memórias atreladas as “questões objetivas [dos] sujeitos sociais [que] acabam expressando e se aproximando por interesses comuns, lutas comuns, pautas e demandas comuns, ou seja, passam a viver mais ou menos conscientemente [com] sua comunidade objetiva e concreta de relações de forma subjetiva”. Sendo a fotografia um instrumento de registro destas memórias.

(continua)

Referência

MARIBONDO, Santiago. O que é um sujeito social? Hegemonia proletária e construção de um sistema de alianças na luta anticapitalista. Disponível em https://quilombospartacus.wordpress.com/2017/05/29/o-que-e-um-sujeito-social-hegemonia-proletaria-e-construcao-de-um-sistema-de-aliancas-na-luta-anticapitalista/. Acesso mai 2025.

PERROT, Michelle. As mulheres ou os silêncios da história. EDUSC. São Paulo/SP. 2005.

RICCEUR, Paul. A memória, a historio, o esquecimento. Editora Unicamp, Campinas/SP. 2010.

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