Maísa Barcelos[i]
Marcia Carneiro[ii]
O Norte Fluminense, de acordo com Natal e outros, carrega uma História “demarcada por dois fatos: extrema iniquidade social e sistemática instabilidade econômica. Particularmente no que trata do último ciclo de desenvolvimento, ele está assentado nos expressivos negócios de petróleo e gás.” (NATAL et al, 2023, p. 242).
De acordo com as pesquisas de Rafael Neves e Teresa Faria (2019), cidade de Carapebus, constitui-se “cidade pequena”, critério que os autores consideram vagos e que indicam, sem convenção definida, onde predomina o parâmetro indicativo em relação ao número de habitantes: número inferior a 50 mil habitantes.
Carapebus, considerada neste aspecto, abriga populaçãode13.847 pessoas, de acordo com o último censo, de 2022.
Em relação à Educação, os dados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica, o IDEB, no ano de 2023, para os anos iniciais do ensino fundamental, a rede pública da Educação de Carapebus está entre as posições 3917 e 3087 de 5570, em comparação com municípios de todo o país.
Abrigando, portanto, numa área territorial de 304,885 Km2, 13,847 habitantes, a densidade demográfica é de 45,42 habitantes por km2, possuindo um bom nível de escolarização, de 98,7%, entre jovens de 6 a 14 anos. O Indice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM), tomado em 2010, aponta uma posição “forte”, de 0,713, mas abaixo da média da posição do Estado do Rio de Janeiro, de 0,782, do mesmo ano. Quanto ao cálculo do Produto Interno Bruto municipal, medido em 2021, o índice do PIB de Carapebus é de R$ 43.108,68, ocupando, no país, o 2369º/ 5570º lugar; no Estado do Rio de Janeiro, o 77º/92olugar e , na sua região geográfica imediata, ocupa o 6o lugar, entre os 9 municípios da região. Dos nove municípios que compõem o Norte Fluminense, Carapebus se insere no grupo das cidades pequenas, aquelas que Neves e Faria apontam a condição de injustiça ambiental e concluem que “mesmo usufruindo da condição de municípios recebedores das rendas petrolíferas, a maior parte dos municípios do Norte Fluminense não conseguiram significativo avanço nos indicadores da saúde, educação e distribuição de renda.” (NEVES & FARIA, 2019, p. 92).
Sobre os dados dos municípios região da Bacia de Campos, de acordo com a análise de Neves e Faria:
Foi possível constatar que em 2010 apenas Macaé apresentou índice maior que a média dos demais municípios do Estado do Rio de Janeiro, que é de 0,761. Campos dos Goytacazes, Carapebus, Cardoso Moreira, Conceição de Macabu, Quissamã, São Fidélis, São Francisco de Itabapoana e São João da Barra apresentaram IDHM inferior à média estadual. No intervalo de 2000 a 2010, quando tais municípios passaram a receber de forma mais acentuada as rendas petrolíferas, o IDH-M de Carapebus e de Quissamã apresentou menor evolução que o indicador que São Francisco de Itabapoana (27%), e no caso de Quissamã (25%), igual ao de Cardoso Moreira (25%). Carapebus apresentou evolução de 23% do seu IDH-M nesse período. (NEVES & FARIA, 2019, p. 92).
Apresentando menor evolução, comparativamente apontada acima por Neves e Faria, percebe-se que os recursos recebidos pelo Município não revelaram relação entre índices econômicos positivos e índices positivos das Políticas Públicas municipais,
Sobre os aspectos importantes da relação econômica do munícipio de Carapebus com as políticas públicas, conforme apontam Neves e Faria, ao abordarem os impactos dessa cadeia produtiva na Bacia de Campos, o município, recebera royalties e participações especiais (aproximadamente 15% dos royalties de Carapebus viria da parcela conhecida como “acima de 5%”, que se origina especificamente da produção ocorrida nos campos confrontantes com o próprio município). Ou seja, a maior parte dos royalties do petróleo que cabem a Carapebus viria do resultado da divisão do cômputo total da produção da Bacia de Campos, podendo o valor ser usado para fins de pagamento de professores ativos. A princípio, portanto, este acréscimo deveria ser revertido para investimento em melhoria das políticas públicas implementadas pelo governo municipal.
Em termos do uso dos recursos dos royalties para a urbanização, Neves e Faria observam:
Em Carapebus, houve maior número de áreas reconhecidas como de expansão recente, ou seja, maior fragmentação das novas áreas urbanizadas na sede municipal. Em geral, as novas áreas apresentam déficit de infraestrutura urbana, como foi possível registrar nas visitas ao campo. O único serviço público oferecido em todos os novos eixos de expansão urbana é a coleta regular de lixo. Já nos bairros de Barreiros, Loteamento APCC, São Domingos e Ubás, não há a oferta de fornecimento de água e recolhimento de esgoto. Também foi possível constatar a ausência parcial, e em alguns bairros total, de pavimentação e passeios públicos, assim como a concentração da oferta dos equipamentos urbanos, no centro da cidade. Com exceção dos bairros de Caxanga e Oscar Brito, os demais são bairros distantes do centro, ainda assim, não há oferta de linhas regulares de transporte público. (NEVES &FARIA, 2019, p.99 )
Demonstrando-se o desenvolvimento econômico e social da História da cidade ao longo dos mais de 500 anos da História brasileira e constatando-se a inclusão do município no sistema econômico global, pode ser compreendida, em relação aos aspectos trans-históricos, as relações dinâmicas da cidade no âmbito da História compreendendo
a atualização – entendida como o fato de tornar presente, atual – que realiza a historicização estrutural é uma verdadeira reativação: ela contribui para assegurar ao texto e ao seu autor uma forma de trans-historicidade que, ao contrário da desrealização associada à eternização pelo comentário acadêmico, tem por efeito de torná-los atuantes e eficientes, e disponíveis, e caso necessário, por novos usos, aqueles notadamente que opera o autor, capaz de ressuscitar na prática um modus operandi prático, para produzir um opus operatum inovador (BOURDIEU, 1997, p. 104 apud MONTAGNER, 2003, p. 104).
Neste sentido, a História de Carapebus é, também, em suas dinâmicas temporais, bastante significativa para a História da Economia brasileira, para o local e a global, tanto em relação à produção agrícola, quanto parte da cadeia da produção energética hegemônica, a da exploração dos combustíveis fósseis.
Sobre a História local, esta é exemplar do período colonial ao século XXI. Carapebus esteve na qualidade de sesmaria cedida ao Capitão Francisco José de Souza pelo rei de Portugal na primeira metade do século XVIII tornou-se distrito de Macaé na primeira metade dos oitocentos e permaneceu assim até a votação do plebiscito em 1994 que elevou o território reconhecido como “Carapebus” a município no ano seguinte.
O Município abriga uma fração das terras pertencentes ao Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba, onde está localizada a lagoa de Carapebus, que fomenta, até o presente momento, a prática da pesca, fonte principal de renda dos moradores do bairro da Praia. O município faz fronteira com os municípios de Quissamã e Macaé, que abrigam outra parte da reserva, o que torna Carapebus elegível para o recebimento de royalties por conta da atividade petrolífera, como integrante do território que abrange a bacia sedimentar que constitui Bacia de Campos, cujo nome se deve à predominância geográfica do município de Campos dos Goytacazes, situada na costa norte do Estado do Rio de Janeiro, estendendo-se até o sul do estado do Espírito Santo, entre os paralelos 21 e 23 Sul. A Bacia possui 115.800,00 km2, sendo referida como a segunda maior produtora de petróleo e gás do Brasil, abaixo apenas das produções da Bacia de Campos.
As alterações do espaço após a vinda das ações petrolíferas podem ter sido um dos maiores fatores para transformação da comunidade de Rodagem, transformações essas que afetam as relações entre sujeitos e território e, desta forma, tornam-se cabíveis questionamentos sobre a subsistência desta comunidade, a atenção dada a ela pela Prefeitura Municipal, bem como quais outras comunidades são atendidas pelas escolas e pelas Políticas Públicas.
Educação em Carapebus: o Ensino de História como meio para a autoidentificação dos moradores e transformação social – do local ao global e vice-versa
O Município de Carapebus, conforme a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional vigente, é responsável por oferecer escolaridade da Educação Infantil até os anos finais do Ensino Fundamental. Existem três escolas no município que disponibilizam a escolaridade do 6o ao 9o ano do Ensino Fundamental: Escola Municipal Antônio Augusto da Paz, localizada no centro da cidade, a Escola Estadual Municipalizada Camboim, no distrito Ubás, e, por último, a Escola Estadual Municipalizada José Rozendo de Barcelos, localizada na zona rural da cidade.
A Secretaria de Educação do Município de Carapebus utiliza como base o currículo mínimo do Estado do Rio de Janeiro, publicado em 2017, pela Secretaria de Educação Estadual. Determinando a carência de um currículo que seja próprio e característico do município.
Deste modo, o Ensino da História do Brasil é abordado levando em consideração a historicidade que lhe compete a História oficial, de acordo com a cronologia historicista voltada para a visão do progresso iluminista europeu. Desde o período da colonização, esta História é composta por uma diversidade de perspectivas historiográficas acerca das diferentes regiões que foram formadas e unificadas como uma “nação”. O Brasil é composto de regiões muito particulares que se fazem presente na construção da História Geral, ainda que o entendimento acerca do significado de Regional possa ser compreendido pela fluidez das compreensões endógenas e exógenas daqueles que delimitam o território. O território “oficial” nem sempre corresponde ao território identificado pela comunidade que nele habita.
A História Regional, enquanto campo da Historiografia, assume, portanto, uma responsabilidade na análise das relações de poder entre as regionalidades e o âmbito Nacional, para que se compreenda a importância do contexto regional para o desenvolvimento do país como um todo. Analisando assim uma região como Carapebus é interessante compreender as relações de poder e, portanto, é tão necessário analisar a base, ou seja, a aplicabilidade do ensino de História Regional dentro de Carapebus. Observando como se dá a relação de poder entre o que é ensinado e o que é desprezado. A partir disso cabe uma reflexão no método utilizado e, talvez, uma reformulação do currículo municipal, onde possa agrupar o processo de construção de identidade histórica com o ensino de história propriamente dito.
Dos objetivos específicos, vale a compreensão do papel do professor no processo de ensino é fundamental entender até onde o professor tem autonomia de ensinar História Regional sem o material didático apropriado para isso, uma vez que a produção acadêmica necessária para que haja esse material é tão escassa. Ainda que o material seja escasso, compreender a tradição oral enquanto fonte é fundamental para a construção de um conhecimento empírico através da memória dos moradores locais, e posteriormente, entender como esse saber pode contribuir para a prática do ensino de História Regional.
É importante ressaltar que o município não tem sido alvo das produções acadêmicas locais, o que dificulta a interseção entre a Academia e as escolas, neste caso em específico. Diante da minha experiência enquanto docente de História, entre 2019 e 2020, pude perceber que os discentes do município não compreendem a necessidade de se estudar História Geral ou até mesmo História do Brasil, por, talvez, não considerarem o passado relevante para o presente, uma vez que aos mesmos não foi apresentado o conceito de Identidade Histórica.
Há nesta divisão entre o nacional, o regional e o local o reconhecimento de uma derrota e de uma impossibilidade: a derrota das forças políticas e econômicas locais que assumem sua subalternidade e o reconhecimento da impossibilidade do historiador que moram nessas áreas de fazer história nacional ou apenas história, sem mais adjetivos, deixadas para quem seria de direito, aqueles historiadores que vivem no que seriam os centros de produção acadêmica e historiográfica”. (ALBUQUERQUE, 2015. p. 58)
É que, se os homens são estes seres da busca e se sua vocação ontológica é humanizar-se, podem, cedo ou tarde, perceber a contradição em que a “educação bancária” pretende mantê-los e engajar-se na luta por sua libertação.
(FREIRE, 1974,p. 40)
Ao falar do processo da desumanização do oprimido, Freire (1974) nos atenta para o mecanismo educacional que é comum nos ambientes educacionais através do mundo, isto é, a educação bancária, que consiste no processo de aquisição de amontoado de informações onde há a ausência da crítica que incorpore a cultura local. A formação tradicional educacional popular se faz com o propósito na formação de mão-de-obra ao invés de intencionar a formação uma sociedade crítica e pensante.
O conhecimento adquirido na formação escolar, não eliminam, no entanto, a educação vivenciada do educando no cotidiano pois, mesmo o aluno mais desinteressado, que não venha a ler nenhum livro durante a vida, certamente estaria imbuído de um arcabouço de informações que recebeu durante suas experiências em sociedade, experiências essas que alinhadas ao ensino de história regional pode contribuir para a edificação de um conhecimento próprio, produzido por ele, porém condicionado por um professor.
Assim, a proposta que surge com este trabalho, num momento embrionário da pesquisa, é construir uma análise mais profunda sobre esta população, numa, numa perspectiva dialógica, para seja possível empreendimento da construção de uma identidade histórica coletiva/local, mas isso só será possível analisando o espaço em que Carapebus se apresenta e para isso o bairro Rodagem foi escolhido como recorte espacial fundamental desta análise em questão que possibilite uma interpretação do município de Carapebus como um todo.
Sendo assim, uma das maiores propostas deste trabalho é compreender as transformações do espaço após a vinda das atividades petrolíferas na região do Norte e Noroeste Fluminense através da perspectiva dos moradores de uma localidade interiorana, analisando bem como a produção de um material didático fundamentado na memória coletiva desta população.
- Descrevendo brevemente a Rodagem.
A Rodagem. Localizada a dez quilômetros do Centro de Carapebus, este bairro apresenta-se como uma localidade rural bem próxima do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba e bem afastado dos centros urbanos, sendo contemplado com duas escolas, sendo uma para Educação Infantil e Ensino Fundamental I e a outra somente para o Ensino Fundamental II, conta também com um posto de saúde ministrados respectivamente pela Secretaria Municipal de Educação e a Secretaria Municipal de Saúde do município de Carapebus.
Parte da localidade de Rodagem é formada por pastos voltados para a criação de gado de corte e de gado leiteiro, mas o bairro conta também com um horto aberto à visitação e bem cuidado pela população, além de algumas igrejas pentecostais e a capela de São Sebastião no “centro” da Rodagem representado pela praça que é também a parada de ônibus que ali foi fixada. Este é um dos aspectos interessantes a serem destacados é a questão da mobilidade urbana no bairro que se dá por três variáveis, ônibus da Autoviação Macaense, pelo transporte escolar que contempla somente os alunos da rede Municipal e Estadual ou por último sendo por transporte pessoal. A mobilidade urbana é bem reduzida e os moradores em sua maioria não trabalham por perto, sendo alvo do movimento pendular entre Rodagem x Macaé ou Rodagem x Quissamã, o que pode dificultar a melhoria da qualidade de vida desta população.
A comunidade atende cerca de outras 4 comunidades em aspectos de saúde e educação, segundo o último CENSO e informações de conhecimento público fornecidos pela escola, a Escola Estadual Municipalizada José Rozendo de Barcelos conta com 70 alunos no total, onde somente 18 alunos são moradores da Rodagem e os demais são divididos entre Brejo Grande, Morro de Pedra, Morrinhos, Botafoguinho, Imbiú, Estrada da Praia e até mesmo alguns poucos alunos moradores da área central do município.
A área é quase que completamente ruralizada, fortemente desmatada para a instalação de pastos que compõe grande parte da localidade.
- Noções sobre Espaço e Sujeitos.
Seguindo por um outro lado que não o descritivo para a compreensão deste espaço, a proposta metodológica se faz através das lentes do espaço, como o professor Milton Santos explicou na obra A Natureza do espaço, apontando que o espaço não se adequa somente na ideia de um espaço físico, mas que ele também é formado pelos aspectos sociais e desta forma torna-se o sujeito um objeto indissociável do espaço por ser também uma parte que o compõe. Compreender de que forma o sujeito se torna transformador do espaço e também se aplica na qualidade de formado pelo espaço é umas das expectativas que tenho ao investigar a população da Rodagem ao longo do tempo, mas especificamente nos finais do século XIX e no início do século XX, período em que Carapebus ainda era Distrito macaense reconhecido por lei.
Desse modo, um enfoque no estudo do espaço que apenas deseje partir dessa famosa dialética das forças de produção e das relações de produção não pode levar a nenhuma clareza metodológica, já que, nas condições históricas atuais, essas duas categorias clássicas as mais das vezes aparecem confundidas. Neste caso, deixam de ser analiticamente válidas. É indispensável encontrar outros pontos de partida. Considerar o espaço como esse conjunto indissociável de sistemas de objetos e sistemas de ações, assim como estamos propondo, permite, a um só tempo, trabalhar o resultado conjunto dessa interação, como processo e como resultado, mas a partir de categorias susceptíveis de um tratamento analítico que, através de suas características próprias, dê conta da multiplicidade e da diversidade de situações e de processos. SANTOS, M. (2006)
Milton Santos nos alerta para a indissociação do espaço e de seus objetos e ações para que construção seja de fato voltada para um caráter analítico ao invés de prender-se somente à descrição. Sendo assim, de todas as lentes que existem para facilitar a análise do espaço eu escolhi analisar o sujeito que ali pertence. A população pode ser uma das óticas que eu preciso para compreender o funcionamento do espaço no momento em que ele foi determinado.
Entretanto, é importante ressaltar que o espaço está atrelado ao tempo e uma análise espacial sem o recorte temporal não é uma análise espacial sendo o tempo indissociável do espaço. Por isso a construção analítica que a pesquisa se propõe a realizar é através da Tradição Oral desta população rural, que pertence a esta localidade, compreender os aspectos histórico sociais, bem como da relação que essa população cultiva com o seu meio de habitação, compreender de que forma o pertencimento dessas pessoas em relação à Rodagem colabora para o crescimento ou não deste lugar e de que forma ele se apresenta relevante para a composição espacial do município.
O território é o espaço sobre o qual um certo grupo garante aos seus membros direitos estáveis de acesso, de uso e de controle sobre os recursos e sua disponibilidade no tempo. Como diz Godelier, o território reivindicado por dada sociedade constitui o conjunto de recursos que ela deseja e se sente capaz de explorar sob condições tecnológicas dadas (1984). Mas todas as atividades produtivas contêm e combinam formas materiais e simbólicas com as quais os grupos humanos agem sobre o território. (CASTRO, 1998 [p.36)
A relação entre sujeito e território se apresenta no direito ao acesso segundo nos apresenta a Professora Edna de Castro, e nesta relação pode-se compreender como o sujeito se constrói como membro ativo, agente de mudanças e continuidades no espaço que ele pertence. Assim, a Tradição Oral ou ainda a relação de História e memória que podem fazer com que se torne compreensível essa relação entre espaço e indivíduo ou até mesmo na relação entre o sujeito e o ambiente.
É importante destacar que não é só a História e a Geografia que podem me abrir caminhos para construir uma análise da população da Rodagem, mas como também a memória desta população pode me apresentar o que esta população compreende sobre a Rodagem e sobre a sua própria trajetória como parte deste lugar. Bourdieu nos alerta sobre como a memória foi durante muito tempo desprezada pela academia como fonte não confiável para a ciência, mas ainda assim, ele insiste que a memória é um componente fundamental para compreensão da história como ciência e da História Oral como metodologia para construção de memórias subjetivas que apreendem o compartilhamento coletivo da vivência em comunidade, compreendendo a identidade coletiva autoatribuída aos moradores do local, Rodagem.
Compreender os motivos que levaram à elevação de um lugar a distrito durante o segundo reinado é de suma importância para que seja possível consolidar uma análise não só do contexto nacional, mas principalmente, como se davam as relações de terras durante esse período, diante de toda perspectiva do trabalho, isto é, dos tópicos que foram analisados aqui, já se torna compreensível os interesses em cima dessas terras, bem como aconteceram em outras regiões.
Assim, como mencionado no início deste trabalho, a Macaé do século XIX teve grande colaboração econômica dos seus distritos. A extensão de terras facilitava a produção de cana de açúcar em ambos os distritos, contudo a refinaria ficava sob responsabilidade do distrito de Quissamã que era onde estava localizado o engenho de açúcar, como é possível notar durante as discussões dos estudos agrícolas do barão de Monte Cedro.
Em Rodagem existem famílias que estão ali desde muito antes da emancipação de Carapebus do Município de Macaé, em 1995 e, segundo algumas fontes mais antigas, como os manuscritos do Capitão Manoel Martins de Couto Reis, existe gente ali muito antes de Macaé se mostrar interessada em transformar Carapebus em distrito.
Eram terras, em partes, boas para o plantio, além de se localizarem próximas à lagoa, o que facilita a prática da pesca. Assim, após analisar o conceito e a história das sesmarias, que além de representar uma fatia de terra, legitimam um certo poder de quem a possuía foi possível desenvolver o início da história desse lugar.
Ainda tratando das memórias de Couto Reis, é válido ressaltar que Carapebus tinha uma igreja de nome Nossa Senhora da Conceição. Como a maioria da população estava situada próximo à lagoa, a igreja também estava localizada na nestas proximidades. O mais interessante é que era uma das únicas na região macaense em meados do século XVIII. (REIS, 1785).
Tratando brevemente sobre a história de Carapebus, que se inicia nas terras da lagoa como doação de terra a um Capitão Donatário, é importante ressaltar que o povoamento já era anterior ao distrito. Logo, recorrer à memória desta população é um recurso que eleva a análise a um aspecto qualitativo sendo objeto essencial para formação espacial dessa localidade tendo relevância inclusive para aquilo que se compreende como centro de Carapebus.
Na Rodagem existem alguns personagens que podem ser essenciais para esta análise como por exemplo a dona da mercearia ou até mesmo o zelador da capela de São Sebastião, pois são pessoas de influência dentro desta comunidade especificamente que é invisibilizada diante de um contexto municipal, podendo se apresentar de grande relevância para construção de uma identidade histórica.
A história de vida é uma dessas noções do senso comum que entraram como contrabando do universo científico; inicialmente, sem muito alarde, entre os etnólogos, depois, mais recentemente, com estardalhaço entre os sociólogos. Falar de história de vida é pelo menos pressupor – e isso não é pouco- que a vida é uma história e que o título Maupassant, Uma vida, uma vida é inseparavelmente o conjunto de acontecimentos de experiência individual concebida como história e o relato dessa história. (Bourdieu, 2006).
O uso do recurso metodológico de construções de memórias como ferramenta de pesquisa e destas como fonte histórica é buscar apreender a composição do geral a partir de um pequeno fragmento, visualizando este fragmento em maiores proporções daquilo que se propõe a analisar. Ou seja, pode-se atribuir a apreensão qualitativa das memórias compartilhadas como elemento indicador de compartilhamento de experiências coletivas alçadas às referências históricas, constituindo-se como indícios investigáveis.
Os conhecimentos trazidos na bagagem dos moradores da localidade podem aumentar o locus de compreensão sobre as relações entre o sujeito e o espaço. Pensando de forma mais específica e de acordo com a proposta do trabalho, o apanhado das memórias coletivas e individuais dos moradores de Rodagem podem ser grandes esclarecedoras para a compreender de que forma esta comunidade foi afetada pela vinda do Petróleo e se é possível relacionar a transformação do espaço em função da exploração com a situação de abandono que a comunidade vive.
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[i] Maísa Barcelos: Professora de História da Educação Básica e Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional, Ambiente e Políticas Publicas (PPGDAP) da Universidade Federal Fluminense. Natural de Carapebus, se dedica ao estudo de História e Memória da comunidade rural de Rodagem como recurso para a construção da Identidade Histórica do município de Carapebus.

[ii] Marcia Regina da Silva Ramos Carneiro. Professora Associada do Departamento de História e Professora Colaboradora do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional, Ambiente e Políticas Públicas (PPGDAP) do Instituto de Ciências da Sociedade e Desenvolvimento Regional/UFF e do Programa de Pós-graduação Mestrado Profissional de Ensino de História (ProfHistória) da Universidade Federal Fluminense.

parabéns Maísa! Excelente artigo destacando a história do município de Carapebus!
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excelente trabalho. Parabéns.
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