Ângela Angelina Angélica

O romance Ângela Angelina Angélica, baseado em fatos reais e históricos, de Jorge Bernardi é, sem dúvida, uma das histórias mais realista e verdadeira sobre imigração italiana no Brasil. Esse evento que ocorreu, a partir da segunda metade do século 19, mudou a geografia humana de nosso país. Milhões de agricultores pobres, principalmente da região do Vêneto, no período de pouco mais de 25 anos, emigraram para terras brasileiras trazendo seus sonhos, seus projetos, sua cultura, suas tradições, sua força de trabalho e empreendedorismo, e aqui se miscigenaram com outros povos. Calcula-se que cerca de 32 milhões de brasileiros tenham sangue italiano.

O autor fez uma profunda pesquisa em livros, dissertações e teses de mestrado e doutorado, que tratam das condições como viviam os italianos e, após a unificação, a sua diáspora pelo mundo que se seguiu e, em especial vindo ao Brasil. Aproveitou ainda memórias de família e os fatos históricos a que os imigrantes e seus descendentes vivenciaram a participaram os últimos 150 anos. Pode-se dizer que esta é uma parte da história das origens de cada brasileiro que possui origem italiana.

Ao deixarem a Itália, o primeiro cenário, os imigrantes vão desbravar a Serra Gaúcha, onde se instalaram as primeiras colônias ainda no período do 2º Império. Posteriormente, após a Guerra do Contestado, os personagens migram para as novas colônias, no Vale do Rio do Peixe, às margens da ferrovia São Paulo ao Rio Grande. O enredo começa quando um jornalista decide investigar as origens de sua família.

O romance conta a história de Ângela desde o seu nascimento até a sua morte. Ao longo da vida ela vai mudando de nome, e passa a ser chamada também de Angelina e Angélica. Neste período de quase 80 anos ela que deixa adolescente a Itália, conhece o primeiro marido na viagem, gera 10 filhos e, com 31 anos, está viúva. Casa-se novamente com um imigrante também viúvo, com nove filhos, e com ele tem o 11º primeiro filho, que une, indelevelmente as duas famílias.

De uma família de carbonários, Ângela também se torna uma carbonária. Ela e seus companheiros se envolvem em lutas contra a República Velha, que vigorava no Rio Grande do Sul e em todo o Brasil. Na Serra Gaúcha a personagem, após conhecer um monge, torna-se benzedeira e curandeira e passa a atender a vizinhança com ervas medicinais. Aprende com um anarquista italiano a arte de descobrir poços, por meio da radiestesia. Com o povo cigano, ela passa a abrir o baralho para obter respostas sobre situações e acontecimentos futuros. Torna-se, ao longo dos anos, muito procurada pelos moradores das colônias, curando os males do corpo e da alma. Experimenta a viuvez pela segunda vez, consequência de uma briga de família, que tem sua origem na Itália.

Ângela perde um filho na Guerra do Contestado e um neto na Segunda Guerra Mundial. Seus filhos e enteados participam de revoluções ao lado das forças progressistas, mantendo a tradição carbonária da família. Casa-se, no início na velhice e, anos depois, fica viúva pela terceira vez. No final da vida Ângela se torna uma referência, não apenas para seus filhos, mas para toda a comunidade em que vive pelo amor que dedica aos seus semelhantes e pela prática da arte de curar. Uma história profunda, que emociona, e que reflete, por meio dos personagens, as lutas heroicas que os imigrantes italianos enfrentaram para colonizar cidades e serras brasileiras.

Trecho do Livro:

No reino de Nápoles, em 1810, surgiu uma sociedade secreta de caráter revolucionário, denominada Carbonária, cuja ideologia era baseada no patriotismo e numa postura liberal, objetivando, entre outras coisas, a unificação do povo italiano em um só Estado. Sua inspiração foi a Revolução Francesa e seus ideais libertários. Combatia a intolerância religiosa e os governos absolutistas. (…) As reuniões se realizavam em cabanas de carvoeiros, nas florestas, nos primórdios do movimento, em todas as regiões italianas. Após essas reuniões, normalmente faziam um jantar, e se diz que foi quando surgiu o famoso prato “espaguete à carbonara”. Os líderes eram desconhecidos dos demais membros e, compunham-se de um grupo de sete pessoas que direcionavam toda a organização. (…)

No Brasil, a ordem secreta tomou corpo com a imigração em massa dos italianos a partir de 1875. Afirma-se, entretanto, que quem trouxe o movimento fora José Bonifácio, o patriarca da Independência, por volta de 1820. Ele teria sido iniciado em Portugal, pouco tempo antes de retornar a pátria. Uma das características dos carbonários era a postura antiabsolutista e anticlerical, posicionando-se contra os privilégios e os abusos cometidos pela igreja às pessoas menos esclarecidas. Apesar destas posições, evitavam o radicalismo revolucionário. Eles tinham um alfabeto próprio para se comunicar. A bandeira dos carbonários era tricolor nas cores: azul marinho, vermelho e preto. O lema: “Deus e o povo somente”.(BERNARDI, 2023: pgs. 125 e 126)

Jorge Bernardi – Jornalista, advogado, professor universitário. Mestre e doutor em Gestão Urbana. Autor de contos, romances e obras acadêmicas. É vice-reitor e vice-diretor executivo de uma das maiores instituições de ensino superior do Brasil.


3 comentários em “Ângela Angelina Angélica

  1. Quando o autoritarismo e as intolerâncias de todo tipo voltam a bater em nossas portas, são necessários exemplos como os de Angela Angelina e dos carbonários para nos fortalecer e inspirar. E somos felizes em tomar conhecimento dessa história através de uma indicação de leitura, feita de maneira tão cativante!

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