O CONCEITO DE “REPÚBLICA VELHA” DIANTE DA HISTORIOGRAFIA

Gabriel Lopes Silva *

O objetivo deste artigo é trazer uma pequena problematização conceitual e historiográfica do tema abordado, para que, de forma introdutória, possamos contribuir para além dos muros acadêmicos. Nesse sentido, trabalharemos com a chamada História Pública, buscando interagir com públicos mais amplos do que o das universidades. O historiador Jurandir Malerba (2017), comenta que os historiadores não simplesmente divulgam o conhecimento para o público, mas devem trabalhar em conjunto com as pessoas comuns. O passado seria reconhecido como o terreno social em constante mudança, e os historiadores e o público deveriam cooperar e trocar ideias de modo a que sua expertise pudesse satisfazer as necessidades, desejos e conhecimento cultural do outro (MALERBA, 2017, p.10).

A forma em que alguns eventos políticos são conceituados é bem intrigante. Destarte, é válido ressaltar que o conceito contribui significativamente para a História e, de acordo com José D’assunção Barros (2016), percebemos que para cada evento histórico ocorrido na sociedade, há uma ideia de conceito para ele. O autor diz que na humanidade, há uma certa “vontade ou a necessidade de conceituar” (BARROS, 2016, p.12). Barros (2016) ainda comenta que a maneira de como o conceito é aplicado na história, depende bastante do ponto de vista de quem está escrevendo e conceituando tais eventos marcantes.

Ao falarmos sobre História do Brasil, os historiadores dividiram temporalmente as diferentes épocas ocorridas, como: História Colonial, História do Império, História da República, com República Velha e República Nova, Estado Novo, entre outros. Aqui, indagamos quais critérios de escolha foram utilizados para criarem esses conceitos, que separam períodos tão distintos entre si. Percebemos que não se trata de uma escolha aleatória.

Esses acontecimentos que separam época, desde a questão conceitual da História Geral, quanto a História do Brasil, são acontecimentos políticos, como golpes, guerras, revoluções, entre outros. A escolha desses conceitos, feitos há bastante tempo, diz mais sobre o período em que foram conceituados do que por si a relação dessas escolhas com as épocas. Podemos pensar no tipo de História que se produzia no final do século XIX, uma história majoritariamente política dos grandes acontecimentos, dos grandes líderes, que visava principalmente os grandes personagens. Por exemplo, na França, no antigo regime, a história política era uma história que dava atenção à vida dos grandes líderes da nação, dava atenção ao Estado, as questões da vida dos monarcas como únicos atores da vida política do país.

Nessa época, os historiadores pensavam em uma história política que não estava em conjunto com outras disciplinas. Ela atuava apenas visando narrar os fatos históricos factuais, de forma narrativa. Portanto, na França, os historiadores não utilizavam a micro-história, cujo objetivo era dar voz às camadas mais baixas da sociedade, a história política era limitada. Após décadas veio uma transformação, onde se passou a ter uma interdisciplinaridade entre múltiplas áreas do conhecimento na França, inclusive a escola dos Annales teve esse objetivo, objetivo de ampliar as diversas áreas do conhecimento de maneira ampla.

Com essa transformação, a história política se revitalizou, sendo chamada de história global ou história total, uma história que se escreve juntamente com as outras áreas do conhecimento, como a sociologia e a economia, Rémond (1988) ainda cita a importância do contato com outras disciplinas, “de fato, a renovação da história política foi grandemente estimulada pelo contato com outras ciências sociais e pelas trocas com outras disciplinas.” (RÉMOND, 2003, p.29).

Sendo assim, a escolha do conceito de “República Velha”, é muito mais ligada ao tipo de historiografia dos grandes acontecimentos, do que propriamente os fatos ocorridos naquele período. Entre os critérios para a separação cronológica não há referências em relação a mudanças econômicas, como a crise de 1929 (conhecida como A Grande Depressão), por exemplo. A crise de 1929 poderia ter mudado a Primeira República para a Segunda República, pois é um evento histórico marcante. A semana de arte moderna poderia também ser considerada um divisor de águas entre um país pré-moderno e pós-moderno. Esses e outros fatos poderiam ser considerados fatos importantes para separar períodos cronologicamente.

Percebemos, então, que aqueles que escreveram e conceituaram este determinado período,  não deram importância a outros campos da história (econômico e artístico), focando somente na história política. A República no Brasil foi inaugurada mediante um golpe civil-militar em 1889. Desde sua inauguração até o ano de 1930, é conhecida como República Velha. A partir da Revolução de 30, é conhecida como República Nova. Quem estabeleceu que o primeiro período republicano era uma República Velha, certamente não eram as pessoas que viveram naquele período. Por estarem vivendo um sistema político após o Império, os indivíduos poderiam estar se sentindo modernos.

Imagem de Freepik

Ao criar um novo regime, principalmente após uma revolução que tem a presença de militares, é raro manter um regime com base somente na violência, na opressão, assim, é preciso criar um consenso diante do novo regime que surgiu, a partir da revolução de 30. O consenso deveria ser favorável aos benefícios trazidos pela revolução. Dessa forma, se dá início às alterações dos discursos e narrativas sobre o passado que antecedeu a revolução de 1930. Sendo assim, aparece o conceito de “República Velha”, para designar que o período entre 1889 e 1930, estava de certa forma, superado. No sentido de que aquilo que é velho, pode ser descartado em prol de algo novo e positivo.

A concepção da República Nova implicou em uma rejeição do passado ao rotular o período anterior como “República Velha”. Alguns oligarcas que detinham poder político antes de 1930 mantiveram suas influências na política interna, resultando em mais continuidades do que rupturas. No entanto, a Era Vargas buscava estabelecer um novo regime e, consequentemente, uma nova terminologia era necessária para refletir essa mudança. Assim, chamar esse período de República Velha não é totalmente impreciso.

Historiadores e historiadoras, como Cláudia Viscardi, na obra “O teatro das oligarquias: uma revisão da política café com leite” , enfatiza que seria mais apropriado denominar o período de 1889 a 1930 como a “Primeira República”, e posteriormente como a “Segunda República”. Esses termos neutros evitariam conotações preconcebidas associadas a certos tipos de governos em períodos específicos. A rejeição do passado e a desconstrução das memórias devem ser reconhecidas pelos historiadores e examinadas com uma perspectiva crítica.

Referências

BARROS, José D’assunção. Os conceitos: Seus usos nas ciências humanas.  Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2016.

MALERBA, Jurandir. Os historiadores e seus públicos: desafios ao conhecimento histórico na era digital. In: Revista Brasileira de História. São Paulo, 2017.

RÉMOND, René. Por uma história política. Rio de Janeiro, RJ: Editora FGV, 2003.

VISCARDI, Cláudia Maria Ribeiro. O Teatro das Oligarquias: uma revisão da política do ‘café-com-leite’. Belo Horizonte: C/Arte, 2001.

* Gabriel Lopes Silva é graduando em História pela Universidade Estadual de Montes Claros (UNIMONTES), atuou como bolsista no Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência – PIBID, financiado pela Coordenação de Aperfeiçoamento Pessoal de Nível Superior (Capes) entre os anos de 2022/23. Atuou como bolsista do Programa de Iniciação Científica Voluntária (ICV) no projeto intitulado ‘Exames da associação do discurso político e do religioso na elaboração de políticas sociais em cenário nacional”, entre os anos de 2022/23, atualmente é bolsista de Iniciação Científica do Programa Institucional de Iniciação Científica nas Ações Afirmativas – PIBIC – Af do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), no projeto: Ações histórico-culturais em esportes equestres adaptados e paralímpicos no Brasil: tecnologia assistiva e inclusão. Tem interesse na área de História, com ênfase em História do Brasil República e História Contemporânea. É membro ativo do Grupo de Pesquisa e Estudos do Pensamento Autoritário da Universidade Estadual de Montes Claros (UNIMONTES), vinculado ao CNPq e também do Grupo de Estudos em História do Esporte e da Educação Física (GEHEF), certificado pelo CNPq. Contato: gabriellopessilvamg@gmail.com

Deixe um comentário