Afonso Guerra-Baião
Daniel Barenboim é um pianista e maestro judeu, militante pela paz no oriente médio, pelo caminho da compreensão e da não violência. Ele criou em 2004, junto com Edward Said, intelectual palestino, uma orquestra de jovens israelenses e palestinos. Transcrevo a seguir um artigo de Barenboim publicado no jornal inglês The Guardian em 2014.
“Tenho apenas três desejos para o ano-novo. O primeiro é que o governo de Israel
se conscientize de que o conflito no Oriente Médio não pode ser resolvido por meios militares. O segundo é que o Hamas entenda que não defenderá seus interesses pela violência. O terceiro é que o mundo reconheça que esse conflito não é igual a nenhum outro em toda a história. É um conflito intricado e sensível, um conflito humano entre dois povos profundamente convencidos de seu direito de viver no mesmo pedaço de terra.
Os últimos acontecimentos são preocupantes para mim por várias razões de caráter humano e político. Embora seja óbvio que Israel tem o direito de se defender, que não pode e não deve tolerar os constantes ataques contra seus cidadãos, os bombardeios brutais sobre Gaza suscitam profundas indagações na minha mente. O governo de Israel tem o direito de considerar todo o povo palestino culpado pelas ações do Hamas? Toda a população de Gaza deve ser responsabilizada pelos pecados de uma organização terrorista?

Nós, o povo judeu, deveríamos saber e sentir mais profundamente que qualquer outro povo: o assassinato de civis inocentes é desumano e inaceitável. Os militares israelenses argumentam, de maneira muito frágil, que a Faixa de Gaza é tão densamente povoada que é impossível evitar a morte de civis. A debilidade desse argumento me leva a formular outras perguntas. Se as mortes de civis são inevitáveis, qual é a finalidade dos bombardeios? Qual é a lógica, se é que existe alguma, por trás da violência, e o que Israel espera conseguir por meio dela? Se o objetivo é destruir o Hamas, a pergunta mais importante a ser feita é se esse objetivo é viável. Se não é, todo o ataque não só é cruel, bárbaro e repreensível, como também é insensato. Não devemos esquecer que o Hamas, antes de ser eleito, foi encorajado por Israel como tática para enfraquecer o então líder palestino Yasser Arafat. A história recente de Israel me faz acreditar que, se o Hamas for eliminado por meio de bombardeios, outro grupo certamente tomará o seu lugar, um grupo que talvez seja mais radical e mais violento. Sem subestimar as dificuldades do governo israelense nem a importância da segurança de Israel, estou certo de que essa segurança só será viável quando obtivermos a aceitação de todos os nossos vizinhos.
Desejo para o ano de 2009 a volta da famosa inteligência que foi sempre atribuída aos judeus. Desejo a volta da sabedoria do Rei Salomão para os estrategistas israelenses, a fim de que a usem para compreender que palestinos e israelenses gozam de idênticos direitos humanos. A violência palestina atormenta os israelenses e não contribui para a causa palestina. A retaliação militar israelense é desumana, imoral e não garante a segurança de Israel. Os destinos dos dois povos estão inextricavelmente ligados e os obriga a viver lado a lado. Eles terão de decidir se querem que isso se torne uma bênção ou uma maldição.”
