EDUCAÇÃO FINANCEIRA NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS (EJA): EXEMPLO DE EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS

Profa. Esp. Maura Andrade Calheiros**

Fonte: Arquivo pessoal da autora (2022).

O presente artigo se pauta em minha experiência na formação educacional de alunos e alunas da EJA (Educação de Jovens e Adultos). Durante meus anos de docência, pude observar o quanto a EJA é importante para jovens e adultos que não tiveram acesso à educação na idade certa e também o quanto essa modalidade de ensino é importante na divulgação dos Direitos Humanos, buscando formar cidadãos e cidadãs e assim contribuir para uma sociedade mais justa.

Esses anos de experiência me possibilitaram também acompanhar vários relatos de alunos e alunas e, me permitiu descobrir quais eram os maiores problemas enfrentados por eles em seu cotidiano de trabalho. Por meio de várias rodas de conversa chegamos à conclusão que todos educandos tinham grande dificuldade em utilizar o dinheiro, eles não sabiam valorizar e nem gastar com responsabilidade. Outra descoberta importante é que a maioria deles eram trabalhadores informais como “sacoleiros”: vendedores ambulantes que vendiam bolo, vendedoras online, enfim, que se caracterizavam como pequenos empreendedores e que pouco conheciam sobre seus direitos. Diante desta constatação, surgiu a necessidade de ensinar a eles sobre Educação Financeira e, a partir daí, iniciamos com pequenos textos onde foi mostrado que eles eram um público-alvo para abertura de empresa do tipo MEI (Microempreendedor Individual), de modo que poderiam ter os seus direitos assegurados.  

Na sequência, foram feitas várias pesquisas em sala, sob a supervisão dos professores, lidas várias bibliografias sobre a temática. Utilizamos ainda jornais de supermercados para fazer comparação de preços e, para que tivéssemos uma fundamentação teórica, realizamos várias rodas de conversa onde foram provocados alguns debates, e isso possibilitou que fosse explicado aos alunos e alunas o objetivo de se aprender sobre Educação Financeira e a legislação sobre MEI.

ANALISE DA IMPORTÂNCIA DA EDUCAÇÃO FINANCEIRA PARA OS ALUNOS DA EJA E OS DIREITOS HUMANOS

Conforme os estudos iam avançando, a Educação Financeira foi se tornando indispensável na vida desses estudantes da EJA e é importante lembrar que esse tema faz parte da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), promovendo o incentivo dos estudantes para se tornarem capacitados e autônomos em relação às atividades financeiras, tanto relacionado as tarefas do dia a dia, como também nas relações profissionais.

Embora a EJA esteja em pleno funcionamento, identifica-se que suas práticas de ensino ainda precisam de muito investimento e de recursos e que o corpo docente precisa de capacitação ampla, plena, adequada e continuada para atender a esse público bastante específico e que possuem especificidades muito diferentes dos alunos atendidos no ensino regular.

Segundo Ribeiro et al (2015), a matemática financeira como tema incluído no currículo das escolas auxilia no tratamento de questões próprias e específicas de um público também específico, a saber: os estudantes jovens e adultos, que precisam de ajuda (formação e qualificação) para a realização plena de suas atividades financeiras do dia a dia.

 No ambiente educacional, ao serem inseridos temas envolvendo a Educação Financeira, os estudantes se sentem aptos para tomarem decisões coerentes relacionadas às questões financeiras, seja em sua vida pessoal, familiar ou na comunidade (SILVA; POWELL, 2013).

O cadastro do trabalhador autônomo no MEI o transforma em microempreendedor individual e isso significa que o trabalhador continua sendo pessoa física, pois mantêm seu CPF (Cadastro de Pessoa Física), mas também ele se torna pessoa jurídica (empresa) quando se cadastra no MEI.

Página Blog MEI Fácil. Disponível em https://blog.meifacil.com/categoria/empreendedorismo/. Acesso em 17/02/2023.

O autônomo com MEI consegue legalizar sua situação de informalidade e passa a ter garantias, como a emissão de notas fiscais e uma série de benefícios, direitos e, claro, também deveres.  

O optante pelo MEI poderá solicitar empréstimos, se pagar as contribuições do MEI e terá garantido benefícios e direitos previdenciários para ele mesmo e também para a família, como por exemplo: aposentadoria por idade ou invalidez; afastamento remunerado por problemas de saúde; salário-maternidade; cobertura da Previdência Social à família: auxílio-reclusão e pensão por morte. Concomitante à isso, precisamos lembrar que os Direitos Humanos incluem também o direito à vida e à liberdade, o direito ao trabalho e à educação, o que me faz entender que o direito à educação de qualidade e direito ao trabalho são direitos humanos fundamentais.

Em relação ao direito à educação de qualidade, o Art. 205, da Constituição Federal (1988), estabelece que:

A educação, direito de todos e dever do Estado  e  da  família,  será  promovida  e incentivada  com  a  colaboração  da  sociedade,  visando  ao  pleno  desenvolvimento  da  pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (BRASIL, 1988, p. 1).

 A EJA é uma modalidade de ensino bastante peculiar, pois, se de um lado, seus estudantes são de faixas etárias muito variadas, por outro lado, estão em situações de vida social e econômica semelhantes e todos eles procuram estudar, buscando melhorar suas vidas pessoal, profissional e financeira. Eles e elas desejam, assim como todos nós, realizar seus sonhos e projetos de vida. Esses estudantes trazem consigo uma carga de experiências próprias vivenciadas na sociedade e nas comunidades das quais fazem parte, e depositam muita esperança de que os estudos na EJA lhes tragam resultados e uma aplicação mais imediata desses conhecimentos, já que a situação de vulnerabilidade social em que se encontram, também, uma urgência a ser sanada. (BEZERRA; SANTANA, 2011).

Como política pública, é função do poder público, promover uma educação de qualidade para jovens e adultos e, assim, contribuir não somente para a formação escolar, mas também para criar oportunidades na vida profissional desses estudantes. (SANTOS; SOARES; TORRES, 2017).

Sabemos ainda que, os alunos e alunas da EJA não conseguiram concluir seus estudos no tempo apropriado pelos mais variados motivos: distância da unidade escolar, falta de oportunidades de estudo, necessidade de trabalhar etc. (ARROYO, 2005) e que carregam consigo toda uma trajetória com muitos “nãos” e “portas fechadas”.

Assim, diante de tal realidade, que eu o grupo de educadores que comigo trabalham, − pautados na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei 9.394/96) e no parecer  do Conselho Nacional de Educação da Comissão de Educação Básica (CNE/CEB) nº 11/2000 – buscamos promover aulas embasadas numa EJA função reparadora, função equalizadora e função permanente.

 A reflexão sobre os temas da educação financeira na EJA visou disponibilizar para os estudantes conhecimentos e ferramentas que eles tanto precisam para poderem administrar, de forma eficiente e efetiva, os seus recursos financeiros.

Em relação aos Direitos Humanos, a qualificação em educação financeira promove a formação integral dos sujeitos enquanto cidadãos e, consequentemente, isso reflete em toda a sociedade, já que a sociedade é formada por todos nós. Portanto, ambos contribuem para a diminuição da desigualdade social, pois como nos foi possível comprovar, nossos alunos e alunas, após colocarem em prática na sua vida pessoal o que aprenderam sobre Educação Financeira na sala de aula, deixaram de ter prejuízo com seus bolos e/ou outros produtos que vendiam, pois passaram a organizar melhor sua vida financeira.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Identificamos que o sistema MEI foi diante da existência da desigualdade social, que se caracteriza principalmente na impossibilidade desses pequenos empreendedores pagarem todos os impostos que são exigidos das empresas, e isso resultaria que eles não teriam lucro algum em seus empreendimentos, fato que representa a impossibilidade de se viver dignamente e uma cruel violação Direitos Humanos.

Enfim, registro também que minha inserção no Curso de Pós-graduação Lato Sensu Educação em Direitos Humanos, oferecido pela Universidade Federal do ABC (UFABC) e todo suporte recebido dos professores e professoras do curso, me permitiram ter êxito neste projeto de Educação Financeira junto aos meus alunos e alunas da EJA. Segundo a Profa. Dra. Ana Maria Dietrich, Coordenadora do Curso EDH/UFABC: “Educar em Direitos Humanos não é apenas conteúdo, tem que ser feito através dos Direitos Humanos e ser voltado para ação!”. E foi diante desta perspectiva, que eu entendi que a escola é o lugar correto para ajudar o aluno (a aluna) a ser inserido(a) na sociedade, tornando-se para mim, uma grande satisfação ao observar que o estudo o(a) ajudou na organização e gerência do seu negócio como microempreendedor individual.  Além disso, quando o(a) aluno(a) percebe que o que ele(ela) aprendeu na escola o ajudou na sua vida pessoal ele(ela) se sente valorizado(a) para a sociedade e para a instituição de ensino.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Cidadania: do direito aos direitos humanos. São Paulo: Acadêmica, 1993.

ARROYO, M. G. Educação de jovens-adultos: um campo de direitos e de responsabilidade pública. In: SOARES, L.; GIOVANETTI, M. A. G. C.; GOMES, N. L. (org.). Diálogos na educação de jovens e adultos. Belo Horizonte: Autêntica, 2005. p. 19-50.

BEZERRA, G. F.; SANTANA, M. S. R. Educação de jovens e adultos: modalidade de ensino e direito educacional. Interfaces da Educação, Paranaíba, v. 2, n. 5, p. 93-103, 2011.

BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988.

CAVALCANTI, M. (org). Gestão estratégica de negócios: evolução, cenários, diagnósticos e ação. 2ª ed. ver. e ampl. São Paulo: Thomson Learning, 2007.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 1974.

MARSHALL, Thomas H. Cidadania, Classe Social e Status. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1967.

MEI FÁCIL. O que é educação financeira: dicas para o MEI. Blog MEI Fácil. 2022.  Disponível em: https://blog.meifacil.com/financas/o-que-e-educacao financeira/#:~:text=A%20educa%C3%A7%C3%A3o%20financeira%20%C3%A9%20basicamente,para%20voc%C3%AA%20e%20seu%20neg%C3%B3cio. Acesso em: 17/02/2023.

SEBRAE. Educação financeira dos microempreendedores individuais. Relatório de pesquisa Sebrae, maio/2018. Disponível em:https://www.bcb.gov.br/nor/relcidfin/docs/art9_educacao_finanaceira_MEIs.pdf. Acesso em 17/02/2023.

Vídeo: II Semana de Direitos Humanos – A utopia que movimenta. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=P8H3NnpuVws. Acesso em 17/02/2023.

Vídeo: Aula Magna: Pensando em uma educação emancipadora. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=HuvXLI8rE8Q. Acesso em 17/02/2023.

Profa. Esp. Maura Andrade Calheiros

** Profa. Maura Andrade Calheiros é professora graduada em Pedagogia pela Faculdade das Américas, Especialista em Educação em Direitos Humanos pela UFABC, Pós-graduada em Docência do Ensino Superior –  FCE, Especialista  em Educação a Distância – FACONNECT , Educadora Social  – Senac , Curso em várias extensões tendo como destaque Africanidades na UFABC. Possui experiência como docente há mais de uma década, atuando no Ensino Fundamental, na Educação de Jovens e Adultos e na Educação Infantil no Estado de São Paulo. Realiza palestras sobre processos de alfabetização e trabalhos voluntários em lar de idosos e hospitais. Contato: maurinhacalheiros@gmail.com

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