Da janela lateral do quarto de dormir,
Vejo uma igreja, um sinal de glória,
Vejo um muro branco e um voo pássaro,
Vejo uma grade, um velho sinal (…)
A letra da música de Milton Nascimento e Lô Borges, Paisagem da Janela, é lembrança que retorna diante da imagem da minha neta Ana Lis, filha de Natália, sentada no beiral da janela da sala, no sítio onde resido, em Comendador Levy Gasparian/RJ. Era a primeira vez que a vi assim, final de dezembro de 2021, naquela janela… aliás uma janela maior que os padrões, principalmente os dos espaços urbanos, nos apartamentos em pilhas, pouco afeitos aos estímulos do olhar para fora.

Barthes afirma que “o que a Fotografia reproduz ao infinito só ocorreu uma vez: ela repete mecanicamente o que nunca mais poderá repetir-se existencialmente.” Esta primeira vez, realmente não, mas a pouco tempo ela repetiu o gesto, depois das “andanças e distrações” de um dia, lá estava Lis, no beiral da mesma janela; mas os sentimentos que experimentei naquele momento primeiro seguem em registro da memória e da imagem fotográfica que permanece, e assim será, mesmo quando minhas lembranças desvanecerem e a memória esquecer até de mim mesmo.
Existe uma história que é dela, Ana… Por onde percorria seus pensamentos naquele instante único eternizado na fotografia, quando olhava a chuva que caia no jardim? Há também histórias que perpassam em nossa imaginação, retornando lembranças de uma janela que em algum lugar e em um tempo outro, nos permitiu olhar para fora e encontrar o que está dentro de nós.

Neste período de pandemia que experimentamos, muitos foram os que usaram janelas e sacadas como espaço de relação com outros, de manifestações de solidariedade, de expressões artísticas; formas de sobrevivência. Você tem uma história na e com uma janela?
Variadas expressões da arte expõem janelas e pessoas, cada um com suas histórias e impondo imaginários a nós seus espectadores.
Salvador Dalí eternizou sua irmã, Ana Maria (mais uma Ana), na janela olhando para o mar de Cadaqués, na Espanha, neste quadro intitulado “Mulher na Janela”, obra do ano de 1926, que se encontra atualmente em exposição no Museu Nacional Centro de Arte Rainha Sofia, em Madri.

O artista plástico Marcio Carmago expõe a público sua obra, óleo sobre tela, de 2015, Menina na Janela, uma pintura realizada, conforme escreve o autor, a partir de uma foto de sua filha. “Gostei da perspectiva formada pela janela. O efeito da luz sobre a parede branca ao fundo também ficou bem interessante.” A impressão que nos causa é a mesma das fotografias da Ana Lis: o que pensa, sente, vê a menina quando o seu olhar encontra planos mais amplos pela janela aberta?
(…) Cavaleiro marginal, banhado em ribeirão,
Conheci as torres e os cemitérios,
Conheci os homens e os seus velórios,
Quando olhava da janela lateral,
Do quarto de dormir.
Em um cárcere não existem janelas que permitem olhares que libertam da prisão. Quantos de nós precisamos de uma janela e um tempo assim, como Ana, sozinhos olhando a imensidão de nós mesmos; mas quem se permite?… estamos encarcerados na angústia de dias inseridos em uma multidão de ilógicas vividas… Lis me traz o desejo, sempre que vejo sua imagem, de ir além… mesmo que seja uma sensação, apenas uma boa sensação…

Existem questões teóricas sobre a fotografia e a autonomia da imagem quanto a intenção comunicativa do sujeito (fotógrafo) como emissor: Vaccarri considera o registro fotográfico “como signo estruturado pelo “inconsciente tecnológico”” do meio independentemente da consciência do sujeito”, conforme assinala Signorini (2014). Este autor ainda cita:
Vilém Flusser sobre o fotógrafo como simples “funcionário” daquele “aparelho” da sociedade da informação que é a câmera fotográfica; ou, ainda, na referência, por parte de Rosalind Krauss, à analogia entre fotografia e “escrita automática”, já indicada por Breton, mas que ela reinterpretou à luz do conceito derridiano de uma “escrita originária” que transcende o sujeito… ou, ainda, na definição de fotografia feita por Umberto Eco como entidade fronteiriça entre signo e não signo…, assim como na tese de Jean-Marie Schafler segundo a qual a fotografia é mais um signo de recepção do que um signo de emissão.”
Mas neste primeiro ensaio de 2022, só me interessa a sensação de liberdade que Ana Lis, na janela, olhando a chuva que caiu no jardim, me concedeu.
Referências
BARTHES, Roland. A Câmara Clara. Editora Nova Fronteira, Rio de Janeiro/RJ. 12ª Edição, 1984.
SIGNORINI, Roberto. A Arte do Fotógrafo. Editora WMF Martins Fontes, Sâo Paulo/SP, 1ª Edição, 2014.

Ana Lis, linda, inteligente e apreciando a chuva que caindo sobre, árvores, flores, levaram na a uma viagem pela magia da natureza. Ao captar a imagem, numa câmera de celular, também foi captada a sensibilidade na expressão juvenil. Ficará para sempre na memória do avô, mas na dela toda a ambiencia de carinho que a envolvia, no sítio do bisavô! ❤️🙏🏼🌟
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Que texto lindo! Quanta informação e sentimentos diversos reunidos!!! Adorei saber todos os novos sentidos que aprendi sobre o significado da fotografia, do ato de fotografar, e… de observar! Observar é SENTIR! Valeu, André!
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