Nesta última postagem da coluna INcontros em 2025, publicamos uma entrevista incontornável, como dizem os franceses, e encerramos o ano com uma conversa que funciona como fecho e permanência, um encontro que não busca conclusões, mas ressonâncias duráveis.

Marilia Diaz é artista visual, ceramista, escritora e professora, sua obra atravessa a cerâmica, o bordado, a instalação e a escrita como formas de escavação sensível da experiência humana, fazendo da partilha de saberes um eixo ético e estético. Nesta entrevista, a artista fala da casa primeva, do barro que escuta, das palavras que aguardam, do corpo feminino e do tempo como matéria instável.
BL- A casa é uma presença recorrente na sua obra: como instalação, metáfora, espaço feminino e subjetivo. O que é “casa” para você hoje? E o que ela foi durante os períodos de confinamento?
MD- Nasci na casa de meus avôs maternos, no quarto, cedido por eles. Fui lavada, cuidada e aquecida na cozinha junto ao fogão a lenha. Passei grande parte da infância nessa casa, entre suas paredes e o porão. Internalizei paulatinamente os valores e a fisicalidade do lugar. Lugar acolhe+dor, abrigo.
Nela, tive guarida para fugir do temporal, passei por rituais alarmantes como o abate de porcos, dos quais após o sacrifício, meu avô voltava lívido, calado, inquieto e coberto de sangue. As mulheres aguardavam na cozinha em silêncio e quando as carnes começavam a chegar davam inicio ao trabalho – banha, chouriços, codiguins, linguiças, fígado frito na hora com cebola, alho e alecrim…
Penetrei em parte da estória da família italiana identificando fotos nas molduras inclinadas nas paredes, como se usava no fim do século retrasado, em atmosfera crepuscular em tons de cinza e marfim aveludados. Assisti minha madrinha ser pedida em casamento, acompanhei doentes, pranteei mortos e esperei pelo dia em que as compotas seriam abertas, até descobrir que elas sempre estiveram ali, só para enfeitar. Esta casa e o seu entorno foram lugares para ouvir estórias, receber visitas, trabalhar e também apreciar o céu, criar, descobrir animais nas nuvens e ver passar o tempo.
Depois a escola passou a ser a casa grande. As moradas se sucederam, ampliaram-se, saíram do chão e galgaram outros andares, mudaram de localidade, estado e país. Tiveram importância, porém o lugar verdadeiro, o espaço que marcou o eu profundo foi à casa natal, o domicílio de meus avôs.Pormenores da domesticidade, da ancestralidade, questões abstratas materializam o espírito, formam o caráter de um lugar. A arqueologia familiar fala do tempo pregresso, mas também do cor+côvado= para onde eu vou, pois como apregoa Vergílio Ferreira a casa “é onde está tudo o que sou”. Essa casa primeva, matriz de todas as outras ainda me habita.
Durante a peste permaneci por dois anos dentro de um apartamento em Ponta Grossa. Comigo estavam o meu marido e minha mãe, a época com 88 anos. Ela tricotava diuturnamente e eu escrevia, lia, bordava, cuidava da casa e da cozinha. Sentia-me triste e muitas vezes com medo e insegurança, mas foi um tempo muito potente para a criação. Participei de seis exposições virtuais, ganhei dois prêmios, escrevi vários livros infantis, contos, e um livro autobiográfico.
Hoje, a casa é elevada a espaço de silêncio, do extraordinário, para uma nova reelaboração, para a invenção de um outro lugar, um lugar da memória. Relembrar pode ser uma forma de tornar caro, de tornar presente. Dessa colagem de memorizações surgem imagens espaciais. Para materializar estas apreensões, lembranças, hoje lanço mão da linguagem da cerâmica e dos têxteis. Em tecido subdividido por crivo, bordo em preto as casas que me são caras: a casa em que fui concebida, a casa em que nasci, onde passei a infância, a casa em que passei a juventude, as casas que compartilhei com outros, as casas em que fui educada…
A casa primeva, a casa de meus avôs maternos é retratada em bordado sobre papel e rendado com fio de costura e se estrutura acima de uma teia finíssima na qual o bordado é sustentado. A fachada é contornada pela cerca, utilizada a época, para afastar animais e proteger. O espectro, as marcas determinam a fisicalidade e a presença daquilo que já não existe mais. Cada casa que tomba está repleta de estórias, de passagens e de tempo. Desgastada, destruída ainda é um continente, ainda guarda. Sentidos e significados estão nessas frestas.
BL- Você já afirmou que o barro é matéria que escuta. Como é esse diálogo com a cerâmica? Existe um momento em que a argila toma decisões por você?
MD- Costumo dizer que a argila é disciplinadora das ansiedades e que ela trabalha enquanto dormimos. É verdade que a principio parece ser uma matéria dócil e que faz aquilo que desejamos, mas vamos compreender, aos poucos, que tem personalidade, que precisamos acompanhá-la o tempo todo.
Faz-se necessário saber escolher a cor, a temperatura a que ela vai submeter-se e que tipo de peça vamos fazer. Com o domínio técnico ela se torna mais dócil e nos ouve. Saramago, no livro A Caverna, quando trata do oficio do oleiro, nos diz que cada dedo das mãos ao longo do tempo, desenvolve um cérebro que faz com que os dedos dominem a matéria. Adoro essa ideia!
Quando comecei a fazer esculturas, modelei com Priscila Ferrante alguns frutos, com mais ou menos 1,50m de altura. Lembro que subíamos em uma cadeira para agregar os cordéis, um após o outro. Qual não foi a nossa surpresa quando retiramos as peças do forno e haviam reduzido pelo menos trinta por cento. Não tínhamos experiência e nem conhecíamos a argila com a qual trabalhamos. A partir dos cursos, leituras, participações em simpósios, congressos e, sobretudo com a lida do dia a dia estreitaram-se os laços. Então, com certeza o trabalho é sempre em parceria com a argila. O artista e a matéria.
BL- Seus livros transitam entre o conto, a crônica, a literatura infantil, mas sempre guardam algo de artesanal, como se tivessem sido esculpidos à mão. Como é o seu processo de escrita? Há pontos de contato entre modelar o barro e modelar as palavras?
MD- Acredito que exista uma bordadura entre tudo o que produzo criando um tecido único. Gostaria muito de ilustrar as estórias que escrevo para as crianças, mas a vida é curta e o tempo diminuto para tudo o que desejo fazer. Por enquanto, com a ajuda de minha mãe, só consegui fazer as ilustrações de dois livros infantis, que já são dezessete. Gostaria de fazer uma edição de livros costurados a mão e ou impressos artesanalmente. Acho que o sentido e o sabor são outros.
O meu processo de escrita quase sempre tem dois momentos bem distintos. Uma palavra, uma cena, um objeto pode ser o impulsionador, o estopim da idéia, da estória que pode ficar incubando durante dias, semanas, meses e até anos. Parece que tudo vai se acumulando até que em um momento o enredo fica pronto. Sento no computador e em pouco tempo escrevo a estória. Armazeno, empresto palavras de outros autores, uso palavras antigas, em desuso. Tenho um arquivo de palavras, nomes para personagens, assuntos. Hoje vi em uma aldeia de Portugal uma placa onde estava escrito: Senhor Lindoso. Achei tão engraçadinho que escrevi em um papel para não esquecer. Pode ser que amanhã ou depois nasça um Senhor Lindoso.

Sim, há essa relação entre modelar, esculpir palavras e ou a argila. As palavras são trocadas, não encaixam naquela estória, são guardadas e dormem enquanto esperam. As argilas no processo de transformação para peças são depuradas, amassadas, torcidas, cavadas, riscadas, dobradas, sobrepostas, vazadas, desgastadas, lixadas, queimadas, pintadas e pintadas tantas outras vezes. A cerâmica exige muito do artífice. A escrita não é diferente. De uns anos para cá também tenho bordado, o que em nada difere dos outros fazeres. Horas e horas de um trabalho que chega ao arrebatamento, a absorção profunda, ao êxtase.
BL- Em “O Lado da Mãe”, você aborda as relações maternas com lirismo e crueza. Como você percebe a figura da mãe na literatura brasileira contemporânea? Ainda há silêncios sobre ela?
MD- O Lado da Mãe foi o meu primeiro livro infantil editado. Tratasse de uma estória real. Vivi cada um daqueles momentos. Não diria que apresenta crueza, mas realidade. Acredito que ainda há silêncio sobre as mulheres e silêncio por parte delas. Já falamos tanto sobre esse assunto. Debatemos, delatamos, tivemos a coragem de nos separar, de construir um novo lar, de estudar, de nos rebelar, de nos construirmos como mulher, mãe ou não, mas todos os dias acho que ainda há tanto por fazer. A questão de gênero é uma das principais pesquisas no meu trabalho visual. A indignação é o que me move. Por vezes trato dos fazeres dados como femininos, da maternidade, dos relacionamentos, do amor… Outras vezes trato sobre a finitude, a origem.
A literatura brasileira desvela grandes mulheres, mães intensas que mudaram até o curso de estórias, mães fortes, protetoras, que se sacrificaram pelos filhos e relações conflituosas e de dores. Como não lembrar as mães – Dona Lola de Éramos Seis, Ana Terra de Érico Veríssimo, Dona Glória e Capitú de Machado de Assis, Sinhá Vitória de Graciliano Ramos e tantas outras. Hoje, esses enfoques foram alargados, pois também se discute o cansaço de uma mulher que amealha muitos papéis, o esgotamento em gerir uma família solo, a relação entre e com duas mães, a inversão dos papéis, quando os filhos passam a ser pais de seus progenitores e até a escolha de não viver a maternidade…
Paulatinamente essas questões vêm sendo tratadas também por autores que atuam na área da literatura infanto-juvenil e essas abordagens são importantes focos de mudanças na sociedade.
BL- No projeto do jardim branco do Salão de Cerâmica, você convidou artistas a construírem flores e cadeiras. O que te move nesses gestos colaborativos? Há uma pedagogia implícita nesses convites?
MD- Sou professora, papel que deve professar, dar a boa palavra, acender e desligar a luz em uma lanterna imaginária para que cada um encontre o melhor caminho para si. Na perspectiva do Cum+Panis, acredito que o professor deve ser aquele que partilha o pão pelo caminho.
A passagem pelo planeta é muito importante e creio que devemos fazer o nosso melhor nas funções que desempenhamos. Apesar de possuir todos os defeitos do mundo, busco ser generosa, não esconder saberes. Fico feliz de conceber ideias e materializá-las com grupos. Já participei de vários projetos de arte – com detentas da Penitenciária Feminina Talavera Bruce em Bangú Dois, no Rio de Janeiro; com professores e crianças na Escola Sesquicentenário em João Pessoa, na Paraíba, onde edificamos um mural com 1.200 alunos; com sem-terra nos acampamentos em Sobrado, também na Paraíba; na favela do Pinto em Curitiba; com os moradores, professores e artesãos, em Antonina/PR e Caaporãn/PB; em canteiros de obras com homens em processo de alfabetização em João Pessoa/PB, entre outros.
Hoje, coordeno um grupo de artistas em Curitiba, intitulado 1 Dúzia, obviamente por que somos doze. Formatamos um projeto expositivo e enquanto aguardamos a resposta da instituição proponente nos encontramos virtualmente a cada quinze dias. Trabalhamos na perspectiva da cidade e do tempo: CENTRO CENTRO. Os resultados tem sido emocionantes. Aprendemos muito. Trocamos saberes, sentimentos e crescemos como artistas, como partícipes da urbe, como gente.
Enquanto professora da Universidade Federal do Paraná – UFPR, sempre estive ligada a Extensão atuando com grupos. Não é um trabalho fácil, mas extremamente importante e compensador em âmbito humano e pedagógico. Um banho de realidade em um universo teórico e idealizado como é a Academia.
Como ceramista sou muito grata aos conhecimentos amealhados durante os Simpósios e Salões de Cerâmica organizados pelo Museu Alfredo Andersen – SEC. Comecei a fazer cerâmica no atelier do Museu, ali conheci artistas, vi e discuti sobre poética, técnica, aprendi a construir fornos. Nos Simpósios e Salões, participei como artista e professora, júri, artista convidada, fui premiada e auxiliei a organizar alguns eventos propostos.
Nos eventos dos anos de 2012, 2014 e 2016 fui coordenadora técnica dos Simpósios e Salões de Cerâmica e nas duas últimas versões reuni um grupo de artistas da linguagem da cerâmica e juntos realizamos Ações Paralelas: exposições, feiras e a intervenção com flores brancas e depois com cadeiras nos Jardins do Museu Oscar Niemeyer – MON. Essas ações auxiliaram a fazer a divulgação do Simpósio e do Salão, reforçaram os vínculos entre os artistas, valorizaram a linguagem cerâmica e a auto-estima de todos os envolvidos. Trabalhamos durante um ano, tivemos despesas, embates, mas com certeza saímos fortalecidos e esse processo, esse caminhar é o mais importante.
BL- Seus objetos cerâmicos, como os “ovos” ou as “cartas de uma árvore que não existe mais”, parecem guardar segredos. Você diria que trabalha com uma arqueologia da intimidade?
MD- Sim. Acho que você captou a essência do meu fazer.
Estamos sempre em processo e de vez em quando é necessário se afastar para rever, analisar, criticar o que estamos fazendo, os por quês e para onde vamos. Vez ou outra olho para um trabalho realizado anos atrás e descubro uma nova faceta. Alguém vê em uma bateia a maternidade, o útero que espera. Essa pessoa vê coisas que eu inicialmente não tinha percebido, visto, pensado e ou sentido. A partir desse momento descubro outras dobras, fissuras que me remetem a patamares mais densos.
Encapsulo objetos, escrevo estórias para acompanhar objetos, e encubro coisas para serem desveladas depois. Dessa forma transito pelo mundo dos segredos. Creio que o processo inventivo é como uma viagem para dentro e para fora. A cada vez que paro para ver da vista do meu ponto, tenho mais bagagem, estou plena e conheço um pouco mais de mim. Amo idear, pois torna o viver mais intenso e compensador. Com certeza um grande prazer.
BL- Em suas residências artísticas, como em Seixal (Portugal), você mergulha em mitologias e símbolos de fertilidade. Como o corpo feminino se reinscreve nas suas esculturas e narrativas?
MD- Acabo de completar setenta anos. Sete décadas guardam o corpo do bebê, da menina, da adolescente, da mulher e da idosa, em que venho me transformando nesses últimos anos. Sou bastante ativa, me sinto bem, mas o tempo está em mim. A pele não tem o mesmo frescor, os joelhos dobram para baixo, mas quando desejo subir nem sempre ajudam. Preciso exercitar mais o corpo, coisa que não gosto e não vejo prazer a não ser na água e nas caminhadas. O corpo também é um receptáculo, um continente de estórias, de tempos, de marcas, de respostas a tudo que viveu e sentiu.
Não fui mãe e gostaria muito de tê-lo sido, mas elaboro essas lacunas nos meus fazeres. Nos últimos anos tenho passado o verão em Portugal e no Brasil. No ano em que fui escolhida para a Residência Artística no Armazém 56 da Mundet no Seixal fiquei deslumbrada com a intensidade de flores amarelas que circundavam a minha casa bem como a Serra da Estrela, que visitei à época. Tudo amarelo sol, pólen visível no ar. Pensei na fertilidade da Terra e logo a seguir nas Vênus esteatopígicas. Uma ideia leva a outra e acabei me deparando com Lucinda Almeida, também artista que me iniciou nos rituais pagãos da idade Média durante as festas das colheitas.
Encantada, assenti, consenti e me cobri com as maias, as giestas plantadas pela avó materna, enfileiradas no jardim. Não as via há tantos anos e agora pintavam o horizonte. Amarelece Portugal em maio. Portas e janelas recebem os feixes de flores, com elas o burro, o carrapato e o agouro são afastados. Nas festas da colheita as mulheres, em alvas roupas, comemoravam a fartura, a fertilidade, as novas safras, a vida. Cantavam e brincavam adornadas com flores no peito e nas guirlandas – papoulas, margaridas, ramos de oliveira. Nesse mundo outro, é primavera.
Terra a terra, hodierna, prenhe e fecunda. Na transmutação do ato, a multiplicação de presenças, a condensação de memórias e um novo florescer do imaginário. Dediquei-me a modelar flores, corpos prenhes e frutos. Meu corpo é objeto e aporte de muitos trabalhos realizados. Já fiz forma de minhas costas e do corpo todo, usei o cotovelo, o joelho, os dedos e o punho como forma, fiz cópia da mão de minha irmã, dos umbigos de meus alunos… Recorrências.
P.S: A Fábrica de Cortiça da Mundet foi a maior e mais importante fábrica do mundo nessa área.
BL- Como professora e pesquisadora, você atua também no campo da neurociência da aprendizagem. Essa interlocução com o universo cognitivo influencia sua prática estética e seu olhar sobre o gesto artístico?
MD- Trabalho em rede. Um assunto puxa outro. Psicanálise, mitologia, literatura, moda, memória, história da alimentação, arquitetura, gênero e outros saberes me interessam e vou tecendo a partir deles, sobre eles. Em atitude pendular bebo desses saberes que retornam em outra dimensão, revisitados.
Cérebro, mãos e coração estão sempre em conexão. Não poderia ser diferente. Escrevo sobre o processo vivido até chegar aos resultados esperados. Armazeno pastas com convite, catálogo, cartas, bilhetes recebidos, imagens de referência e textos. Fotografias, rascunhos e idéias não realizadas. Material para crítica genética.
Adoro os livros de artista e nas últimas exposições tenho apresentado essa modalidade como objeto de arte e como registro. Faço também o caminho inverso. O visual se transforma em texto. O processo de selecionar , empilhar, discriminar botões aos pés de minha mãe junto a máquina de costura é repetido todos os dias de minha vida. Só mudam os motivos e os objetos.
BL- Muitas de suas obras se relacionam com a ideia de tempo: tempo cíclico, memória, envelhecimento, infância. Como você imagina o tempo dentro da arte? Ele pode ser manipulado, suspenso ou revivido?
MD- Certa vez, uma companheira de trabalho contou sobre a dor de perder um familiar e de como a sobrinha, ainda criança, tinha traduzido o que sentia. Ela dizia, “que a morte é como se fosse uma pia cheia de água e da qual ela não tinha a tampa”. Acho que com o tempo também é assim: ele se esvai e você não segura.
A arte é atemporal. O que realmente é bom e tem algo importante a nos dizer, permanece. O Êxtase de Santa Teresa de Bernini, o Memorial do Holocausto com 19.000m², a instalação Schalechet no Museu Judaico de Berlim e tantas, tantas outras maravilhas.

Sim, a arte nos permite manipular o tempo, suspende-lo ou revivê-lo. A inteligência artificial consente que manipulemos as imagens com realismo e é capaz de simular contextos, expressões e até podemos hesitar em relação a veracidade de fatos. Pessoas mortas revivem, vivos podem estar mortos, heróis do passado podem ser vistos hoje. Pode-se trazer luz sobre um determinado momento, suspender, elevar um período, uma estória pode ser replicada, embalsamada. A cada vez que você usa uma memória ela se refaz, vai adensando e se transformando em outra coisa. O tempo nos permite muito e nos tira tudo ou quase tudo.
BL- Se pudesse escrever uma carta para a Marília do futuro, uma carta de barro, que seria desenterrada daqui a mil anos, o que você escreveria nela? E que forma ela teria?
MD- Não escreveria uma carta, somente um bilhete. Repetiria o que o Jovino, lá de Sagi, no Rio Grande no Norte escreveu na porta do seu Restaurante: “Não se preocupe, pode não acontecer”. Colocaria dentro de uma esfera de argila.
Fotos: Bel Liviski

Bel Liviski – professora, socióloga e fotojornalista, escreve e é coeditora da Revista ContemporArtes desde 2009. Edita também o TAK! Agenda Cultural Polônia Brasil.
