Vanessa de Oliveira Dias Monteiro
Resumo: O artigo discute a relevância da abordagem educomunicativa aliada à multimodalidade e à cultura da convergência para a transformação das práticas pedagógicas na contemporaneidade. Partindo da constatação de que a escola tradicional, herdeira da era industrial, já não responde às demandas da sociedade em rede, o texto evidencia como as tecnologias digitais, os jogos educativos e os recursos multimodais podem favorecer aprendizagens significativas e colaborativas. Apoiado nas teorias de Henry Jenkins, Manuel Castells e Ismar de Oliveira Soares, o estudo enfatiza a convergência tecnológica, cultural e participativa como elementos centrais para a inovação educacional, articulando-as às diretrizes da BNCC e aos multiletramentos. Além disso, problematiza os desafios geracionais no uso das TICs em sala de aula e defende a formação continuada de professores como condição essencial para potencializar o engajamento discente. Conclui-se que a educomunicação, em diálogo com a cultura digital, contribui para um modelo de ensino mais inclusivo, interativo e alinhado às exigências de um mundo em constante transformação.
Palavras-chave: Educomunicação; Multimodalidade; Cultura da Convergência; BNCC; Inovação Pedagógica.
A sociedade atual exige que a educação prepare o aluno para enfrentar novas situações a cada dia. Assim, deixa de ser sinônimo de transferência de informações e adquire caráter de renovação constante. O modelo de escola tradicional é fruto da era industrial, tendo sido estruturado para preparar as pessoas para viver e trabalhar na sociedade que agora está sendo convocada a aprender, devido às novas exigências de formação de indivíduos, profissionais e cidadãos muito diferentes daqueles que eram necessários na era industrial. Dessa forma, a tecnologia pode possibilitar a personalização e a diferenciação do ensino, o que pode atender às necessidades individuais de cada aluno. Com a formação tecnológica adequada, os professores podem utilizar recursos como softwares adaptativos, plataformas de aprendizagem personalizada e aplicativos educacionais para criar experiências de aprendizado mais flexíveis e personalizadas. Isso envolve o conhecimento de dispositivos, ferramentas, mídias, aplicativos e plataformas relevantes para o ensino. Sendo assim, o papel das novas tecnologias no ambiente educativo é o de favorecer a construção de conhecimento, de maneira que auxiliem na concepção de um novo modelo de ensino. A educação deve ser efetivada de forma colaborativa, no qual o aluno passa a ser um sujeito atuante, uma vez que este, como nativo digital, tem habilidades para usá-las e facilidade para se relacionar através das novas mídias.
O que se vem afirmando na literatura é que o ambiente escolar integrado com vivências tecnológicas, permitem a dinamização e ampliação das habilidades cognitivas, devido à riqueza de objetos e sujeitos com os quais permitem interagir; a possibilidade de extensão da memória e de atuação em rede; ocorre a democratização de espaços e ferramentas, pois estas facilitam o compartilhamento de saberes, a vivência colaborativa, a autoria, co-autoria, edição e a publicação de informações, mensagens, obras e produções culturais tanto de docentes como discentes.
Nesse sentido, o conceito de educomunicação, que envolve a integração de todas essas práticas educativas com as tecnologias de comunicação e informação, será aplicado na criação de um site com convergência midiática que servirá como material de produção para compor essa pesquisa. Este site oferece um coletivo de games e jogos destinados a proporcionar o engajamento dos alunos que fazem parte de um contexto de escola particular situada na cidade do Rio de Janeiro do Ensino Fundamental I. O intuito será favorecer o ensino de disciplinas que abordam o multiletramento em processos lúdicos que geram aprendizagens significativas. A proposta inclui a utilização de ferramentas digitais como Wordwall, Quizizz, Kahoot e Canva, promovendo uma formação continuada no qual os professores são imersos em uma realidade tecnológica ampliada, permitindo a produção de jogos educacionais. No contexto do projeto descrito na pesquisa, a cultura da convergência de Jenkins pode ser aplicada para entender como a integração de tecnologias digitais e jogos educativos pode transformar o ensino e a aprendizagem nas salas de aula. Quando Henry Jenkins, em sua teoria sobre a cultura da convergência, lançada em 2009, afirma que:
“As mídias tradicionais são passivas. As mídias atuais, participativas e interativas. Elas coexistem. E estão em rota de colisão. Bem vindo à revolução do conhecimento. Bem vindo à cultura da convergência.” (JENKINS, 2015)
O autor explora como diferentes formas de mídia e conteúdos interagem e se fundem em um ecossistema midiático dinâmico. Henry Jenkins amplia para uma mudança fundamental no panorama das mídias e seu impacto na cultura e no conhecimento. Contribui também para entendermos a relação das Mídias Tradicionais com as Mídias Digitais. Considerando que Mídias Tradicionais (Passivas) referem-se a formas de comunicação como a televisão, o rádio e os jornais, no qual a audiência é receptora passiva da informação. Não há muita oportunidade para interação ou feedback imediato.
Mídias Atuais (Participativas e Interativas) incluem a internet, redes sociais, blogs, vlogs e outras plataformas digitais que permitem aos usuários não só consumir, mas também criar e compartilhar conteúdo. Essa interatividade transforma o usuário em um participante ativo do processo comunicacional. O autor nos ajuda a compreender a Coexistência e Conflito. Jenkins aponta que, apesar das características distintas, ambas as formas de mídia coexistem no ambiente contemporâneo. Porém, estão em “rota de colisão” devido às suas naturezas contrastantes e às mudanças nas expectativas e comportamentos dos consumidores.
Essa colisão representa a tensão entre os modelos de comunicação unidirecional e bidirecional, refletindo uma transição cultural significativa que gerou uma Revolução do Conhecimento. A convergência de mídias tradicionais e novas mídias está impulsionando uma revolução no modo como o conhecimento é produzido, disseminado e consumido. A acessibilidade e a democratização da informação são características marcantes dessa revolução. As mídias participativas permitem que o conhecimento seja compartilhado e construído colaborativamente, levando a uma cultura mais dinâmica e interativa.
Cultura da Convergência, de Jenkins, usa este termo para descrever o processo em que conteúdos, ideias e práticas de diferentes mídias e culturas se encontram e se combinam, criando novos modos de interação e significação. Jenkins argumenta que essa convergência não é apenas um processo tecnológico, mas também cultural e social. O autor descreve como o público se torna mais ativo e participativo, contribuindo para a criação e distribuição de conteúdos de formas inovadoras. Isso é possível graças à digitalização e à internet, que facilitam a mistura e a circulação de informações entre diversos meios e plataformas.
Na educação, isso se manifesta na utilização de tecnologias digitais e jogos educativos para enriquecer o ensino e tornar a aprendizagem mais envolvente e significativa, como abordado na pesquisa mencionada. Evidenciamos os aspectos de inovação e adaptação que destacam a necessidade de adaptar-se às novas formas de comunicação e interação para permanecer relevantes. Como o empoderamento do usuário que enfatiza os indivíduos como criadores e disseminadores de conteúdo, promovendo uma cultura de participação ativa.
Frisamos o papel da interatividade que contribui para reconhecer a importância da colaboração, fundamentais para a construção de conhecimento no contexto atual. Entretanto, temos desafios que caso sejam superados podem se tornar e oportunidades. Como integrar mídias tradicionais e digitais? Entendemos que há oportunidades para criar um ambiente de aprendizagem mais rico e diversificado. Portanto, a afirmação de Jenkins encapsula a essência da transformação midiática contemporânea e seu impacto profundo na maneira como interagimos com a informação e o conhecimento, refletindo uma revolução cultural e educacional em curso.
A cultura da convergência, conforme delineada por Jenkins, envolve três aspectos principais. A contar, Convergência Tecnológica refere-se à combinação de várias tecnologias de mídia em uma única plataforma. Nesse projeto de pesquisa, isso é exemplificado pela criação de um site com recursos educativos, que utiliza diferentes ferramentas digitais como Wordwall, Quizizz, Kahoot e Canva. Esses recursos convergem em um espaço online onde professores e alunos podem interagir de maneira mais integrada e dinâmica.
A Convergência Cultural na qual Jenkins destaca como diferentes culturas e práticas sociais se encontram e se transformam em um ambiente convergente. No projeto, essa convergência cultural é visível na forma como jogos e práticas lúdicas, que são parte da cultura digital dos alunos, são incorporados ao ambiente educacional. Ao utilizar jogos educativos, a cultura escolar tradicional se funde com as práticas digitais contemporâneas dos alunos, promovendo um aprendizado mais envolvente e significativo.
Na Convergência Participativa há ênfase na participação ativa dos usuários na criação e disseminação de conteúdo. No projeto, a participação ativa é promovida por meio da formação continuada de professores, que são capacitados para criar e utilizar jogos educativos. Os professores não são apenas consumidores de tecnologia, mas também criadores de conteúdo educacional, o que reflete a ideia de participação ativa e colaborativa promovida por Jenkins. A criação de recursos didáticos democráticos e acessíveis, utilizando tecnologias gratuitas, é um exemplo de convergência tecnológica. Ao tornar esses recursos didáticos acessíveis e gratuitos, há uma democratização do ensino, permitindo que mais professores e alunos tenham acesso a ferramentas educativas de alta qualidade. Isso reflete a ideia de que a convergência midiática pode promover a inclusão e a equidade na educação, alinhando-se com a visão de Jenkins sobre a cultura da convergência.
Aplicando a teoria de Jenkins ao projeto da pesquisa, podemos ver como a cultura da convergência oferece um framework para entender e implementar a integração tecnológica na educação. A convergência tecnológica permite a criação de um ambiente educacional rico e interativo. A convergência cultural facilita a aproximação entre as práticas culturais dos alunos e os objetivos educacionais. Empodera os professores, transformando-os em agentes ativos na criação de recursos educacionais.
Dessa forma, a cultura da convergência de Jenkins se alinha perfeitamente com os objetivos do projeto, que busca inovar na formação dos professores e no ensino das disciplinas de Língua Portuguesa, Língua Inglesa e Hebraico por meio do multiletramento na utilização de tecnologias digitais e jogos educativos. Essa abordagem não apenas enriquece o processo educativo, mas também cria um ambiente de aprendizagem mais colaborativo, engajador e relevante para as gerações atuais e futuras. A pesquisa visa responder à pergunta “Jogos + engajamento = aprendizagem significativa?”, investigando como a integração de jogos e tecnologias digitais pode impactar positivamente o engajamento e a aprendizagem dos alunos. A conclusão dessa análise será apresentada ao longo dos capítulos da pesquisa, buscando evidenciar o potencial transformador da educomunicação na formação de professores e na prática pedagógica contemporânea.
Na abordagem desta pesquisa, a importância dos textos multimodais e sua articulação com os campos de experiências da BNCC representam a integração de diversas formas de mídia e experiências de aprendizagem, facilitando um ambiente educativo mais rico e interativo. A BNCC enfatiza a importância dos textos multimodais, que combinam diferentes modos de comunicação e expressão (texto, imagem, áudio, vídeo), exemplificando claramente a convergência de diferentes mídias em um único recurso educacional. Articular esses textos aos campos de experiência da BNCC reflete essa convergência, proporcionando um aprendizado mais envolvente e significativo.
Os textos multimodais são ferramentas valiosas para o enriquecer o conceito de Educomunicação, pois são aqueles que combinam diferentes modos de comunicação para transmitir uma mensagem. Esses modos podem incluir texto escrito, imagens, áudio, vídeo, gráficos, animações e outros elementos visuais ou sonoros. O conceito de textos multimodais emergiu da interseção entre os estudos de linguagem, comunicação e mídia, especialmente a partir das últimas décadas do século XX. A multimodalidade, como uma abordagem para entender e analisar a comunicação que ocorre por meio de múltiplos modos além do texto escrito, ganhou relevância com a expansão das tecnologias digitais e a crescente diversidade de formas de mídia.
O conceito de textos multimodais foi desenvolvido principalmente por estudiosos da semiótica social, especialmente por Gunther Kress e Theo Van Leeuwen. Eles são amplamente reconhecidos como pioneiros na formalização e expansão desse conceito no campo da comunicação e dos estudos de mídia.
“A ideia assertiva de que todo texto é multimodal está em Kress e Van Leeuwen (1998), é encontrável em várias outras referências desses autores ao longo dos anos. Segundo o que eles afirmam, “todos os aspectos da materialidade e todos os modos reunidos em um objeto/fenômeno/texto multimodal contribuem para o significado” (Kress; Van Leeuwen, 2001, p. 28). E se tratamos do significado, sob este ângulo, estamos tratando de sentidos, de leitura”. (Ribeiro, 2021)
A multimodalidade aproveita as diversas maneiras pelas quais as pessoas percebem e compreendem a informação, criando experiências mais ricas e envolventes. Conforme exemplifica RODRIGUES (2022, p.111).
“Também, as tecnologias de informação e comunicação trouxeram-nos novas configurações para os textos, sejam eles quais forem, revelando uma transcendência da modalidade escrita da linguagem (ex: imagens relacionais, texturas, cheiros, etc). Um livro didático de língua portuguesa na atualidade pode ser um bom exemplo de utilização de textos multimodais, pois incorpora linguagem escrita; linguagem para ser lida em voz alta (como no caso de um poema, por exemplo); linguagem visual (das múltiplas imagens que traz); entre outras formas de linguagens.”
Para Rodrigues, a multimodalidade encontrada nos livros didáticos, por exemplo, é elemento que pode auxiliar sobremaneira no multiletramento dos alunos e prepará-los para a leitura crítica de textos diversos.
Lúcia Teixeira, Karla Faria e Sílvia Sousa (2014) explicam sobre a utilização dos textos multimodais em aulas de Língua Portuguesa:
“A aula de português deve girar em torno da análise de um texto, que pode se apresentar nas mais diferentes materialidades e nas mais exuberantes configurações multimodais. Diante da multiplicidade de ofertas do universo da cibercultura e dos inúmeros artefatos de linguagem próprios das sociedades contemporâneas, a escola precisa desenvolver métodos que deem conta do caráter multissensorial e das potencialidades significativas dos textos em circulação (TEIXEIRA; FARIA; SOUSA, 2014, p. 317, APUD RODRIGUES, 2022, P.111).”
Rodrigues também contempla Roxane Rojo (2013) em suas reflexões. Ela nos orienta sobre as tecnologias de informação e comunicação e o novo papel dos professores em relação às TIC e aos textos multimodais utilizados:
“Como os dispositivos portáteis de tela de toque e seus aplicativos não exigem tantos saberes tecnológicos sobre o computador e seus programas, pois eles são muito intuitivos e amigáveis, não há muito o que saber sobre a tecnologia em si. Há o que Linguagens – Revista de Letras, Artes e Comunicação – ISSN 1981- 9943 Blumenau, v. 16, n. 2, p. 107-119, mai./ago. 2022. 112 saber sobre os textos e como é que ele deve ser lido, analisado e produzido. Por exemplo, um professor de Língua Portuguesa terá de tratar os textos levando em conta outros aspectos, como o som e a imagem. Para isso, ele precisa começar a refletir sobre isso e conhecer mais sobre semiótica. Outra coisa que muda é a redefinição do lugar do docente. Ele passa a ter acentuadamente a postura de mediador, pois ele não informa mais. A informação está na internet. Nesse ponto, ninguém precisa mais de professor, nem de ninguém para dar informação de nada. O saber se democratizou. O lugar do professor é de um analista crítico desses saberes, que constrói filtros éticos e estéticos e amplia as buscas pelo saber (ROJO, 2013, p. 10, APUD RODRIGUES, 2022, P.111).
A Base Nacional Curricular Comum (Brasil, 2018) traz como referência a multimodalidade em algumas situações, sempre no sentido da necessidade de abordar e analisar textos orais e escritos em contexto escolar. Por exemplo, na pág.61, o documento afirma: “Os jovens têm se engajado cada vez mais como protagonistas da cultura digital, envolvendo-se diretamente em novas formas de interação multimidiática e multimodal e de atuação social em rede, que se realizam de modo cada vez mais ágil”. O documento não se detém sobre uma teoria para os textos multimodais e não apresenta uma fundamentação muito esclarecedora nesse sentido, mas inclui novas formas de interação entre os elementos mais importantes a serem trabalhados pela escola no século XXI. De acordo com todas as teorias atuais sobre multiletramento, ampliam o olhar para as habilidades mais específicas da escola: ler e escrever que, atualmente, têm se tornado, cada vez mais, uma ação integrada.
Axel Bruns, em seu livro “Blogs, Wikipedia, Second Life, and Beyond: From Production to Produsage” (2007), introduziu e explorou o conceito de produsage. Este termo combina as palavras “production” (produção) e “usage” (uso), descrevendo um processo colaborativo em que usuários são simultaneamente produtores e consumidores de conteúdo. O autor se referia às ações dos usuários da internet, especialmente em blogs e outros espaços de interação multimodal, quando eles liam e participavam, transformando a escrita em uma reação contínua, quase natural, de quem navega pela web. Nesse sentido, a produção de textos multimodais precisa estar tão à nossa disposição quanto à leitura. As novas tecnologias podem incrementar nossas habilidades, o que não nos dispensa de desenvolver essas habilidades de seleção de modos e recursos expressivos tanto quanto em qualquer época.
Sendo assim, a relação entre textos multimodais e a educomunicação é estreita e sinérgica, pois ambos os conceitos compartilham o objetivo de enriquecer os processos de ensino e aprendizagem por meio da integração de múltiplas formas de comunicação e mídia. A criação de recursos didáticos interativos aproxima as gerações, dentro de sala de aula, pois envolve os alunos em processos de aprendizagem mais participativos. Essa interatividade é um dos pilares da cultura da convergência, no qual os usuários não são apenas consumidores passivos, mas participantes ativos. O uso de tecnologias digitais e jogos educativos transforma o processo de aprendizagem, tornando-o mais relevante e engajador para as gerações atuais. Isso reflete a ideia de Jenkins de que a convergência midiática pode levar a experiências de aprendizado mais ricas e significativas.
A adoção de novas tecnologias no ensino, conforme descrito na pesquisa, exemplifica como a convergência de mídias pode promover a inovação pedagógica, oferecendo novas maneiras de ensinar e aprender que são mais alinhadas com a realidade digital dos estudantes. As teorias de educomunicação de Manuel Castells podem ser altamente relacionadas à educação digital proposta pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e dialogam de maneira significativa com as teorias de convergência de Henry Jenkins. Vamos explorar como essas teorias se interrelacionam e se complementam no contexto educacional. Em seu conceito de “sociedade em rede”, no qual a tecnologia da informação e comunicação (TIC) desempenham um papel central na estrutura e dinâmica social (CASTELLS, 2005) Castells argumenta que a nova economia, cultura e sociedade são profundamente moldadas por redes de informação e comunicação digitais. Em um ambiente educacional, isso implica que o acesso à tecnologia e a capacidade de navegar e criar em um espaço digital são essenciais para a educação contemporânea.
Sobre a educação digital proposta pela BNCC, identificamos que é central a importância dada à educação digital e à necessidade de preparar os alunos para serem proficientes em um mundo cada vez mais digitalizado. Isso inclui o uso de tecnologias digitais para facilitar o aprendizado, promover a alfabetização midiática e digital, e desenvolver habilidades para o século XXI, como pensamento crítico, criatividade e colaboração.
A abordagem da BNCC à educação digital ressoa com a visão de Castells sobre a sociedade em rede, na qual há uma integração das TICs, a BNCC promove a integração das TICs no currículo, refletindo a ideia de Castells de que as redes digitais são fundamentais para a estrutura e função da sociedade moderna. Defendemos que essa abordagem pedagógica prepare os alunos para se tornarem cidadãos competentes em uma sociedade em rede. Sobre a acessibilidade, Castells destaca a importância da inclusão digital para evitar desigualdades. A BNCC, ao enfatizar a educação digital acessível e democrática, alinha-se com essa perspectiva, garantindo que todos os alunos tenham oportunidades equitativas de aprender e se desenvolver em um mundo digital.
A BNCC visa desenvolver competências que são essenciais na sociedade em rede descrita por Castells, como a capacidade de colaborar em ambientes digitais, criar conteúdos digitais e compreender o impacto das TIC na vida cotidiana. Neste trabalho comparamos com o diálogo entre as Teorias de Henry Jenkins e Castells, de forma que a cultura da convergência complementa as ideias de Castells e se conecta diretamente com as propostas da BNCC, principalmente, com a correlação com o trabalho de textos multimodais. Um dos exemplos é a aplicação da cultura participativa, Jenkins enfatiza a transição de uma cultura passiva para uma cultura participativa, onde os indivíduos não apenas consomem, mas também criam e compartilham conteúdos. A BNCC incorpora essa ideia ao promover a criação de conteúdos digitais pelos alunos e o uso de plataformas interativas, refletindo a cultura participativa que Jenkins descreve.
Também há os multiletramentos e multimodalidade, Jenkins destaca a importância dos multiletramentos e da capacidade de navegar por diferentes modos de comunicação. A BNCC promove o uso de textos multimodais e ferramentas digitais, alinhando-se com a visão de Jenkins sobre a necessidade de habilidades múltiplas e flexíveis na era digital. A BNCC, ao integrar tecnologias digitais no currículo e ao incentivar a colaboração entre alunos e professores através dessas tecnologias, exemplifica essa convergência. Isso cria um ambiente onde a educação se torna um processo mais interativo e integrado, refletindo a visão de Jenkins. De tal forma, que enxergamos uma sinergia entre Castells e Jenkins na contribuição para uma melhor análise da BNCC.
A combinação das teorias de Castells e Jenkins oferece uma estrutura para entender e implementar a educação digital proposta pela BNCC. Castells fornece uma visão macro sobre a importância das TIC na sociedade e na educação, destacando a necessidade de inclusão e equidade digital. Jenkins, por outro lado, fornece uma perspectiva mais micro sobre como essas tecnologias podem ser usadas de maneira prática para transformar a educação em um processo participativo e multimodal. Ambas as teorias convergem na ideia de que a educação digital não é apenas sobre o uso de tecnologias, mas sobre transformar a maneira como ensinamos e aprendemos, criando ambientes educacionais que são inclusivos, interativos e preparados para a sociedade em rede do século XXI. A BNCC, ao incorporar esses princípios, está alinhando a educação brasileira com as necessidades e possibilidades da era digital, preparando os alunos para serem cidadãos ativos e competentes em um mundo interconectado.
Outro autor que contribui para nosso trabalho é o Ismar de Oliveira Soares, que aborda o conceito de educomunicação em sua obra “Educomunicação: o conceito, o profissional, a aplicação” (DE OLIVEIRA SOARES, 2004). Neste livro, Soares explora a interseção entre educação e comunicação, propondo a ideia de uma prática educativa que integra os processos de ensino e aprendizagem com as formas de comunicação. Ele discute como a educomunicação pode ser aplicada em diferentes contextos educacionais, promovendo uma abordagem participativa e colaborativa para o ensino e a aprendizagem. Essa obra é uma das principais referências para aqueles interessados no campo da educomunicação e sua aplicação prática em diversas áreas da educação. Essa obra pode ser uma ferramenta útil na análise da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) em vários aspectos. Vamos explorar algumas maneiras de como essa obra pode ser aplicada na análise da BNCC.
Em sua conceitualização da educomunicação, Soares fornece uma definição clara e abrangente de educomunicação, destacando sua natureza interdisciplinar e seu potencial para promover uma abordagem participativa e colaborativa na educação. Ao analisarmos a BNCC, utilizamos essa definição para avaliar como a educomunicação está presente no documento e como ela é entendida e aplicada nas diretrizes curriculares. Como a abordagem participativa, de tal forma que Soares enfatiza a importância da participação dos alunos no processo educacional, assim como o envolvimento ativo dos estudantes na produção e disseminação de conhecimento. Na análise da BNCC, avaliamos em que medida as diretrizes curriculares promovem uma abordagem participativa e empoderam os alunos como agentes ativos de aprendizagem.
Sob o aspecto da integração de mídias e tecnologias, o autor destaca a integração de mídias e tecnologias como parte essencial da prática educomunicativa. Aplicamos essa referência para analisar a BNCC, examinamos como o documento aborda o uso de tecnologias digitais na educação e como promove a alfabetização midiática e digital entre os estudantes. Nas relações entre comunicação e expressão, destaca a importância destas como ferramentas fundamentais para o desenvolvimento da educomunicação. Ao analisar a BNCC, pode-se avaliar como as competências relacionadas à comunicação oral, escrita, visual e digital são abordadas nas diretrizes curriculares e como são incentivadas através das práticas educativas propostas. Por sua vez, a mediação pedagógica promove o papel do educador como mediador do processo educacional na abordagem educomunicativa.
As práticas educomunicativas inspiraram a implementação da BNCC em sala de aula. Ao analisar o documento, pode-se identificar como as diretrizes curriculares podem ser traduzidas em práticas concretas que promovam uma educação mais participativa, inclusiva e conectada com as demandas da sociedade contemporânea. Castells aborda o conceito de educomunicação em seu livro “A Sociedade em Rede” (1996), embora não seja o principal foco de sua obra. Castells descreve a educomunicação como uma abordagem que integra a educação e a comunicação, validando a importância da comunicação na aprendizagem e na formação de indivíduos na sociedade da informação (CASTELLS, 1996).
No contexto da educomunicação, destaca que a comunicação é fundamental para a construção de conhecimento e para a interação social. O autor argumenta que a tecnologia da informação e a comunicação digital oferecem novas oportunidades para a educação, permitindo uma comunicação mais ampla, instantânea e interativa entre estudantes, professores e outras partes interessadas. Castells (2003) defende que a educomunicação pode promover a participação ativa dos alunos no processo de aprendizagem, permitindo-lhes criar e compartilhar conhecimento de maneira colaborativa. O autor enfatiza a importância de utilizar as tecnologias de comunicação, como a internet e as redes sociais, para promover a interação, o diálogo e o engajamento dos alunos. Destaca-se a necessidade de desenvolver habilidades de alfabetização midiática e digital nos alunos, para que possam compreender e avaliar criticamente as informações e os meios de comunicação que encontram na sociedade digital.
Comunicação e conflitos geracionais em sala de aula – qual relação com educomunicação?
Observamos, anteriormente, sobre a relevância da Educomunicação como abordagem significativa para a potencialização de metodologias ativas nas salas de aula. Nesse sentido, essa pesquisa caminha para um olhar da aplicabilidade das tecnologias dentro de sala de aula e na forma como os professores possuem conhecimento para utilizar esses recursos. Durante a pesquisa, será apresentada com mais detalhes a Formação Continuada que foi aplicada pela orientanda como recurso para uma pesquisa exploratória. Nesse momento de troca com os professores, a orientanda pôde constatar, com mais ponderação e assertividade, os desafios que os professores de sua equipe apresentam em relação aos conhecimentos tecnológicos. Como a orientadora possui mais de 10 anos de liderança de equipes de professores, sempre observou que a relação dos professores com a tecnologia era um fator relevante para que os alunos pudessem demonstrar mais engajamento nas aulas. Para além dos recursos, observou também que professores da geração Baby Boomer, por exemplo, enfrentam desafios específicos ao ensinar as gerações mais jovens, como Geração Z e Geração Alpha. Esses desafios são multifacetados e incluem diferenças tecnológicas, culturais e pedagógicas. Baby Boomers iniciaram suas carreiras antes da revolução digital, enquanto as gerações mais jovens são nativas digitais. Ocasionando em um hiato no uso de tecnologias educativas modernas, como plataformas de aprendizagem online, ferramentas colaborativas e recursos multimídia.
No campo teórico, o conceito de gerações como o compreendemos hoje, especialmente no contexto sociológico e histórico, foi popularizado pelos historiadores William Strauss e Neil Howe. Em seu livro “Generations: The History of America’s Future, 1584 to 2069” (1991), eles apresentaram uma teoria detalhada sobre a dinâmica geracional, sugerindo que a história pode ser entendida como uma série de ciclos de cerca de 20 anos, cada um correspondendo a uma geração. Os sociólogos classificam as gerações conforme elas se apresentam, e como elas permanecem. Segundo Bauman (2007, pag. 307). “O termo geração é uma expressão performativa, (que cria uma entidade para nomeá-la), uma chamada ou convocação para uma batalha nas fileiras do imaginário, ou das comunidades”. Strauss e Howe especificaram e nomearam algumas gerações, analisando como eventos históricos, comportamentos e tendências culturais e mudanças sociais moldam cada grupo de pessoas nascidas em um período específico. Esses conceitos influenciaram, de forma significativa, a forma como estudiosos, empresas e a mídia abordam e entendem as gerações.
“Os estudos sobre gerações são capazes de agregar, sob diversos aspectos, nos debates sobre sociedades e suas transformações. Afinal, as mudanças das dinâmicas sociais ocorridas ao longo do tempo têm por base, em boa parte, o comportamento das pessoas que as compõem. E as atitudes destas pessoas, que ajudam a explicar seus comportamentos, podem ser melhor compreendidas quando são entendidas as bases nas quais foram forjadas. O entendimento desse processo é justamente o foco de uma das principais teorias sobre gerações.” DE OLIVEIRA CARNEIRO, p. 39, 2023.
Embora Strauss e Howe tenham sido fundamentais na popularização e detalhamento do conceito moderno de gerações, é importante reconhecer que a ideia de categorizar pessoas com base em seu período de nascimento e nas experiências compartilhadas é mais antiga e teve contribuições de outros pensadores ao longo do tempo. No entanto, foi o trabalho de Strauss e Howe que trouxe uma estrutura mais sistematizada e amplamente reconhecida para a discussão sobre gerações na sociedade atual:
“O que William Strauss e Neil Howe propõem é um modelo de ciclos sociais de 80 anos, divididos em quatro “viradas”. A primeira virada corresponde a um período de alta, de estabilidade e prosperidade. Durante este período, as pessoas concentram-se em construir carreiras e famílias. E tendem a acreditar que o mundo é um lugar bom e que é possível mudar as coisas para melhor. Na sequência viria a segunda virada, que diz respeito a um período de transição, que se caracteriza por conflitos e mudanças. Durante esta fase as pessoas comumente questionam as instituições estabelecidas e buscam novas formas de viver. O comportamento comum é guiado por pragmatismo e cautela, pois os indivíduos estão mais propensos a ver o mundo como um lugar perigoso e difícil de mudar.” DE OLIVEIRA CARNEIRO, p. 46, 2023.
O estudo das gerações oferece uma lente valiosa para entender e navegar a complexidade das interações humanas em diferentes contextos, promovendo uma sociedade mais harmoniosa e eficiente. Sabendo-se que cada etapa geracional formará valores e atitudes que nos acompanharão por toda a vida, pode-se esperar que muitos comportamentos geracionais irão manter um mesmo padrão ainda que os indivíduos envelhecem e que diversos fatores no ambiente venham a se transformar. Esse campo de estudo nos inclina a observar comportamentos, sejam eles decisões de consumo, inclinações políticas, profissionais, religiosas ou afins.
Compreender as experiências e perspectivas únicas de cada geração pode promover maior empatia e coesão social. Isso é crucial em uma sociedade diversificada, onde conflitos geracionais podem surgir em diferentes contextos. No campo da educação, reconhecer as diferentes necessidades e estilos de aprendizagem das gerações pode levar a abordagens de ensino mais eficazes. Professores podem adaptar métodos e tecnologias de ensino para melhor engajar os alunos de diferentes idades. Diferentes gerações têm estilos de comunicação variados. Compreender esses estilos pode melhorar a interação e a colaboração. Por exemplo, enquanto um professor da Geração Z pode preferir mensagens de texto ou comunicação via redes sociais, um professor da geração Baby Boomers pode valorizar mais as interações face a face ou telefônicas. Sendo assim, vamos abrir uma oportunidade de análise dessas gerações.
Conclusão
A abordagem educomunicativa, articulada à multimodalidade e à cultura da convergência, revela-se fundamental para transformar os processos de ensino e aprendizagem na contemporaneidade. Ao integrar mídias digitais, jogos educativos e práticas colaborativas, amplia-se a participação ativa de professores e alunos, promovendo uma educação mais interativa, democrática e significativa. As teorias de Henry Jenkins, Manuel Castells e Ismar de Oliveira Soares oferecem um quadro teórico robusto para compreender esse movimento, destacando a importância da convergência tecnológica, cultural e participativa, bem como da sociedade em rede e da educomunicação. Nesse contexto, a BNCC fortalece a necessidade de desenvolver competências digitais e multiletramentos, preparando cidadãos críticos e engajados para os desafios do século XXI. Assim, evidencia-se que a integração entre tecnologia, comunicação e educação não se limita a recursos instrumentais, mas constitui um caminho de inovação pedagógica capaz de ressignificar o papel do professor e do aluno, construindo experiências de aprendizagem mais inclusivas, criativas e alinhadas às demandas de uma sociedade em constante transformação.
Referências
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Vanessa De Oliveira Dias Monteiro é pedagoga e especialista em Gestão Escolar pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro e mestre em Educação Tecnológica. Atua como Diretora Pedagógica na área de Educação Infantil e Fundamental I em escolas particulares no Rio de Janeiro e desenvolve projetos pedagógicos voltados à integração de tecnologia e práticas inovadoras no ensino.
