Leitura e Cárcere: (entre) linhas e grades, o leitor preso e a remição de pena

Este livro, recentemente lançado em Curitiba, da autora Rossaly Beatriz Chioquetta Lorenset, reflete sobre o papel da leitura para sujeitos no cárcere. É só uma moeda de troca dos presos pela diminuição de dias da pena na prisão ou pode provocar neles reflexões e identificação? Diante de condições tão agudas, corpos depositados e neutralizados num ambiente hostil, em condições inimagináveis, a leitura pode desencadear experiência de fruição? O leitor preso consegue se ver no personagem da obra lida e escapar da sua dura realidade atrás de grades? Direito de ler para um sujeito de direito sem direito? Será que os direitos podem ser respostas às faltas produzidas pelo próprio Estado?

O direito de leitura na prisão consegue remediar faltas? Tendo em mente que, ao pensar soluções para uma realidade, devemos tirá-la da invisibilidade e considerando a potência da literatura, a autora de Leitura e cárcere nos leva a refletir sobre essas questões e uma pluralidade de outras mais: modo de funcionamento dos sistemas de segurança e de justiça, condições do sistema penitenciário, fins e justificativas da pena, desigualdade social, o que diz a letra da Lei e o que se vê na realidade… Enquanto o discurso da Lei grafa direitos que garantem aspectos de humanidade, o discurso da prisão (a)grava, no corpo e na alma do sentenciado, castigos e sofrimentos.

A leitura deste texto impactante convida a adentrar nos muros da prisão e contribui para tornar menos opaco o discurso sobre a leitura como dispositivo de remição de pena, sob as regras da Lei, no Brasil. Por meio de entrevistas efetuadas com apenados do Presídio Regional de Xanxerê, em Santa Catarina, Leitura e cárcere analisa os dizeres desses presos e investiga a tensão entre o dito e o não dito, as marcas explícitas ou implícitas nessas falas: a negação, os pré-construídos, as interpelações do inconsciente. Nas enunciações desses sujeitos presos, súplicas por olhares e escutas. No dizer de um entrevistado: “tem leitura que me feiz entendê, assim, que a gente tem uma vida ainda pela frente”(sic).

Resultado do trabalho de doutorado de Rossaly em Linguística pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), o livro lança luz a um problema latente da Justiça brasileira:  o país ocupa o terceiro lugar, não honroso, no ranking dos países que mais encarceram no mundo.  A Lei de Execução Penal (LEP), que completa 40 anos em 2024, dispõe sobre a remição de parte do tempo de execução da pena por estudo ou trabalho: a cada livro lido, quatro dias a menos atrás das grades. 

Fonte da imagem: https://www.conjur.com.br/

“A remição de pena por meio de leitura foi introduzida no Brasil, em 2011, no contexto do sistema penal porque não havia nem trabalho nem escola para os presos. A função da leitura nesse contexto não foi por benesse, havia um vazio já no sistema que devia ser tratado. A possibilidade de diminuir dias de pena de condenados pela Justiça por meio da leitura não demandava investir financeiramente no sistema prisional, bastava dar livros aos presos”, diz a autora, que é facilitadora de Justiça Restaurativa.

O Brasil enfrenta muitos desafios para avançar na remição de pena por meio da leitura.  Pesquisa do Conselho Nacional de Justiça mostra que, em 2023, apenas 11 das 27 unidades federativas do país declaram ter estrutura para implantação de bibliotecas nos presídios. “Resolução que faz parte do Plano Nacional de Fomento à Leitura nos Ambientes de Privação de Liberdade do ano de 2021 diz que o preso poderá ter acesso à leitura por meio de audiobook, ampliando o direito a pessoas não alfabetizadas.

Se considerar que uma biblioteca digital possui mais de 50 mil livros disponíveis, ler com tablets poderia facilitar o acesso, mas como essa universalização será viável se poucos são até mesmo os livros de papel no cárcere? Por essa normativa, cada comarca deve instituir uma comissão de validação para homologação e a leitura será validada, não mais avaliada. Mas não há biblioteca, nem tampouco bibliotecário, nem acervo bibliográfico nas unidades prisionais”, lembra a autora, que é Secretária da Pastoral Carcerária do estado de Santa Catarina e continua fazendo visitas semanalmente na unidade prisional de Xanxerê.

Rossaly Beatriz Chioquetta Lorenset – Fonte da imagem: https://ufsc.academia.edu/

Sobre a autora: Doutora em Linguística pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e mestra em Estudos Linguísticos pela Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS). Graduada em Letras Português-Inglês e respectivas Literaturas pela Facepal (Palmas-PR) e em Língua e Literatura Espanhola pela Unoesc. Desde 2001, é professora e pesquisadora de Língua Portuguesa na Universidade do Oeste de Santa Catarina (Unoesc Xanxerê). É autora também do livro “Língua e Direito: uma relação de nunca acabar”. 

  • Editora ‏ : ‎ Appris – 1ª edição (4 junho 2024)
  • Idioma ‏ : ‎ Português
  • Capa comum ‏ : ‎ 381 páginas
  • ISBN-10 ‏ : ‎ 6525061296
  • ISBN-13 ‏ : ‎ 978-6525061290

Um comentário em “Leitura e Cárcere: (entre) linhas e grades, o leitor preso e a remição de pena

Deixe um comentário