REVELAÇÃO DO PÁSSARO

Afonso Guerra-Baião  

Mal começa o inverno, a criança me pergunta:

         – Quantas andorinhas fazem o verão?

         – Não sei. Mas Tio Borges me contou, numa história, com quantos passarinhos se faz o Rei dos Pássaros.

         Já no berço, a criança pede:

         – Me conta a história do Rei dos Pássaros.

         Essa é uma história de outros tempos, escrita por um poeta que viveu na antiga Pérsia. Seu nome era Attar.

         – Então conta.

         Reconto e acrescento um ponto.

         Um dia, uma deslumbrante pena de sublime ave caiu bem sobre o coração da Pérsia. Os pássaros oráculos, doutores da lei, logo disseram que aquela era uma pena de Simurgh, o rei dos pássaros.

         Então os passarinhos resolvem abandonar suas tolas anarquias e buscar o supremo esplendor de que aquela pena era uma pequena amostra. E eles se lançam numa aventura talvez infinita. Sabem apenas que o ninho do seu rei fica na Árvore Cósmica; sabem só que essa árvore fica no átrio de uma fortaleza sobre a montanha que tem a forma de um círculo em volta da terra; e sabem que o nome de seu rei significa “todos os pássaros o pássaro”.

Muitos deles não partem: o beija-flor alega que não pode abandonar as amadas flores em seu jardim; o papagaio explica que não pode deixar os discípulos humanos sem suas lições de linguagem; alguns são modelos e precisam cumprir seus compromissos profissionais com os desenhistas e os pintores; outros ainda são professores de bel canto e devem ficar por amor à arte. Mas inúmeros se lançam na audaz navegação.

Voam sobre inacessíveis montanhas, cruzam sete mares, sobrevoam incontáveis vales. Muitos desses peregrinos se perdem, outros morrem no caminho. Apenas trinta pássaros passam pelo precipício extremo, sobrevoam o derradeiro abismo e pousam, finalmente, na última das montanhas. Eles abrem bem os olhos, esperando a visão do Simurgh. Então, iluminados pela experiência da travessia, eles compreendem que o rei dos pássaros é formado pelo conjunto de todos os passarinhos; que sua plumagem é tecida pelas penas de cada ave; que seu canto é a harmonia dos pios de cada um; que seu voo é o movimento de todos e de tudo.                                                       

         – Tudo… heee… hummm… – diz a criança, já derivando para o reino dos sonhos.       

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