Vozes em Diáspora: Explorando o Diálogo entre Chimamanda Ngozi Adichie e o Feminismo Negro Brasileiro

**Marlyane Rogério da Conceição

Resumo

O presente artigo científico tem como objetivo analisar as questões de gênero, feminismo e racismo enfrentadas pelas mulheres brasileiras e explorar possíveis diálogos com as obras da renomada escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie. A Nigéria, que possui uma sociedade tradicionalmente patriarcal, onde as normas e práticas culturais evidenciam uma desigualdade de gênero arraigada.  Para atingir esse objetivo, este artigo científico adotará uma abordagem interdisciplinar que envolverá estudos literários, estudos de gênero e teorias feministas. Serão analisadas quatro obras não ficcionais de Chimamanda, e os possíveis diálogos com escritoras feministas negras em diáspora.

Palavras-chave: Chimamanda Ngozi Adichie, feminismo, gênero, racismo, diálogo.

Introdução

Chimamanda Ngozi Adichie é uma renomada escritora nascida na cidade de Enugu, na Nigéria. Estudou comunicação e ciências políticas nos Estados Unidos, é mestre em Escrita Criativa e em Artes em Estudos Africanos. Primeiro livro de sucesso, romance, traduzido no Brasil como “Hibisco Roxo”, foi publicado em 2003. A partir de então a autora se tornou premiada e reconhecida.

Para este trabalho partimos do ensaio em forma de livro “Sejamos Todos Feministas”, adaptado da palestra de 2012 de Adichie no TEDx Euston em Londres, que conta com milhões de visualizações online. Nesta obra, são discutidos os estereótipos de gênero que limitam o potencial das mulheres, destacando a importância de combater a desigualdade e promover uma sociedade mais justa e igualitária.

Em 2017, a autora compartilha experiências pessoais e reflexões sobre como educar crianças, em uma carta escrita a sua amiga que então seria mãe de uma menina, A autora traz 15 a a serem seguidos, em busca de promover a igualdade de gênero, no livro “Para Educar Crianças Feministas: Um Manifesto”.

Nos dois próximos livros, “O Perigo de uma História Única” (2018) e “Notas sobre o Luto” (2021), a autora aborda outros temas, porém, também perpassa por questões de gênero. No primeiro, ela discute o poder das narrativas estereotipadas sobre a África e as pessoas africanas explorando a importância de se ter uma visão mais abrangente diversificada ao abordar a história e a cultura de diferentes povos. No segundo, ela compartilha suas reflexões e experiências acerca do processo de luto. Após a perda do seu pai, ela analisa a complexidade de emoções e diferentes maneiras como as pessoas lidam com o luto.

Por mais que os dois últimos livros não sejam direcionados para as questões de gênero, a partir de sua experiência pessoal, a autora também aborda como as normas de gênero agem em determinadas situações em seu país, e algumas expectativas sociais que podem influenciar a maneira como as pessoas interpretam a sociedade.

Sobre gênero

A população da Nigéria, em sua majoritariamente negra, em um país com uma população estimada em mais de 200 milhões de habitantes, ainda assim possui uma diversidade étnica, onde existem mais de 250 grupos étnicos distintos (IBGE, 2023). Entre esses grupos étnicos estão os Hausa-Fulani, Yoruba, Igbo, entre outros, sendo assim, o racismo na sociedade nigeriana não se dá apenas pela cor da pele. Em suas obras, Adichie mostra a diversidade étnica como uma parte intrínseca da identidade nigeriana, desafiando estereótipos e generalizações simplistas ao apresentar personagens de origens étnicas variadas e suas interações com a sociedade nigeriana.

            Aos quatorze anos, quando é chamada de feminista pelo seu amigo Okoloma, a escritora não entende o significado da palavra, mas a forma como é dita disperta seu interesse, ela narra que o jeito como tal palavra foi verbalizada era como se dissesse: “Você apoia o terrorismo!”. Ela então, após esclarecer o significado da palavra, toma posse do adjetivo. Durante a sua vida Chimamanda se depara com várias opiniões contra o feminismo. Um homem lhe diz que “feministas são mulheres infelizes que não conseguem arranjar um marido”. Uma professora universitária lhe diz: “feminismo não faz parte da cultura africana e provavelmente ela havia sido corrompida pelos livros ocidentais” (ADICHIE, 2012).

Apropriada do termo, ela decide se tornar uma “feminista feliz e africana que não odeia homens e que gosta de usar batom e salto alto pra si mesma, e não para os homens”. Talvez um questionamento mais importante do que o motivo de usar o termo, seria o por que não usar, ao que ela enfatiza que existem especificidades em torno das questões de gênero e a exclusão histórica das mulheres não podem ser resumidos ao termo genérico “direitos humanos”(ADICHIE, 2012).

Para algumas pessoas a voz de Chimamanda chegou através da música ***Flawles[1] da cantora americana Beyoncé, onde no trecho em áudio retirado da palestra exemplifica a diferença como ensinamos meninos e meninas com relação ao casamento nele a autora denuncia a pressão imposta às meninas desde cedo para que sejam submissas, diminuindo suas ambições e restringindo suas possibilidades de sucesso. E questiona a ideia de que as mulheres devem se encolher e não serem excessivamente bem-sucedidas, pois isso poderia ameaçar os homens. Critica a forma como a sociedade espera que as mulheres almejem o casamento como o ápice de suas vidas, enquanto para os homens não se impõe essa mesma expectativa. E é nessa disparidade de ensinamentos que se limita o potencial das meninas e mulheres, reforçando a ideia de que seu valor está centrado nas relações românticas e não em suas conquistas pessoais.

            A representatividade na literatura e as narrativas desempenham um papel crucial na construção de identidades e na promoção da diversidade cultural e étnica. Ao abordar a importância da representatividade, reconhecemos as vozes e experiências de pessoas marginalizadas. Representatividade literária pode contribuir para uma desconstrução de preconceitos. Mesmo assim ainda encontra-se resistência no discurso acadêmico feminista negro. Chimamanda sinaliza que inúmeros livros e artigos sinalizam como uma mulher deve agir para atrair um homem, em contrapartida, pouquíssimos artigos e livros são escritos para os homens aprenderem a atrair as mulheres. Em seus livros o casamento é retratado como um objetivo a ser atingido pelas mulheres, e também o discurso acadêmico feminista é visto como perigoso e ameaçador (ADICHIE, 2012).

            É importante destacar a abordagem a diversidade étnica e cultural em suas obras, em suas narrativas são retratadas estereótipos culturais que a autora acredita que são possíveis de serem rompidos.

Nos livros da autora em que pautamos esse trabalho, é importante ressaltar que ela se refere às suas experiências culturais de acordo com a sua origem étnica, na intenção de promover uma visão diversa plural de seu país. Em seus romances e livros de ficção, nos são apresentados personagens de origens étnicas diferentes e variadas, onde são exploradas as interações e dinâmicas entre esses grupos. Tal estratégia quebra as visões simplistas e homogeneizantes e não caímos no dito “perigo de uma história única” sobre a Nigéria. “A história única cria estereótipos, e o problema com os estereótipos não é que sejam mentira, mas que são incompletos. Eles fazem com que uma história se torne uma única história” (ADICHIE, 2019).

Identidade, representatividade e interseccionalidade

Tratando de estereótipo, a mulher negra é algo de categorizações sociais, raciais e de gênero. Enfrentando diversas formas de desigualdades e disparidades. Lélia González, uma intelectual ativista escritora negra, teve uma contribuição significativa para o feminismo negro do brasileiro, trazendo em suas discussões a interseccionalidade das opressões vividas pelas mulheres negras e enfatizando a importância de se considerar as questões de gênero e classe. Porém o termo interseccionalidade, teve sua primeira utilização pela jurista, ativista e professora Kimberlé Crenshaw em 1989[2]

Antes disso o tema já era abordado, porém não com esta nomenclatura em um discurso histórico proferido em 1851, Sojourner Truth[3] confronta os estereótipos de gênero e raça que eram prevalentes na sua época. Ela põe a realidade de ser mulher negra, destacando que não recebe o mesmo tratamento privilegiado atribuído às mulheres brancas. Sua luta para ser reconhecida como mulher, mesmo diante das opressões sofridas como escravos e mãe separada de seus filhos das experiências das mulheres de minorias étnicas.

Por sua vez, pensadoras negras brasileiras ampliaram o debate sobre o feminismo, trazendo a interseccionalidade como elemento central. Djamila Ribeiro, aborda a experiência das mulheres negras no Brasil, destacando as opressões e desigualdades específicas que enfrentam.O feminismo negro seria então uma perspectiva dentro do feminismo que se concentra nas experiências únicas das mulheres negras e busca abordar as intersecções de gênero, raça e classe. Ele surge da necessidade de reconhecer enfrentar formas específicas de opressão e discriminação enfrentada pelas mulheres negras que muitas vezes são negligenciadas e marginalizadas no feminismo menos crime e na luta anti-racista. Esse movimento visa desafiar o racismo estrutural, somados ao sexismo.

Considerações Finais

Na literatura pesquisada também fica explícito que os homens negros também sofrem preconceitos e discriminação, o patriarcado talvez seja então a confluência entre o discurso feminista nigeriano e o discurso feminista brasileiro.

É importante frisar e as experiências dos homens negros não são uniformes, suas vivências também são diversas e plurais e dependem de outros fatores, como: classe social, educação e localização geográfica. O racismo tem um impacto significativo em vários aspectos de suas vidas, como educação, saúde, justiça criminal, emprego e interações sociais. É inegável para uma das formas mais visíveis de racismo que afeta os homens negros ao perfil racial e a brutalidade policial. A violência se expressa através de abordagens arbitrárias, revistas injustas, detenções injustificadas, violência policial e até agressões e assassinatos cometidos por motivos raciais.

Conceição Evaristo realiza então uma descolonização da mulher negra, e a situa na sociedade brasileira. Chamando esse processo de “escrevivência” traz uma cadeia social, com o objetivo de evidenciar figuras marginalizadas na sociedade. Nesta cadeia hierárquica social onde o homem branco está no topo, seguido pela mulher branca seguido pelo homem negro a mulher negra se localiza no fim (ARAÚJO, 2020). Tal perspectiva só foi experienciada por Chimamanda fora da Nigéria enquanto estudava e trabalhava em outros países.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ADICHIE, Chimamanda N. Sejamos todos feministas. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.

ADICHIE, Chimamanda N. Para Educar Crianças Feministas: um manifesto. São Paulo: Companhia das Letras, 2017.

ADICHIE, Chimamanda Ngozi. O perigo de uma história única. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.

ADICHIE, Chimamanda Ngozi. Notas sobre o luto. São Paulo: Editora Companhia das Letras, 2021.

ARAÚJO, R. C.; VIEIRA JUNIOR, P. A. O lugar de fala da mulher negra em Olhos d’água, de Conceição Evaristo. Trama, [S. l.], v. 16, n. 38, p. 75-88, 2020. DOI: 10.48075/rt.v16i38.24210. Disponível em: https://e-revista.unioeste.br/index.php/trama/article/view/24210. Acesso em: 13 jun. 2023.

ALVES, C.; LIMA, D. Beyoncé: uma aproximação ao feminismo e à literatura negra. Blog Unicamp. Marca páginas. Disponível em: https://www.blogs.unicamp.br/marcapaginas/2019/05/29/beyonce-uma-aproximacao-ao-feminismo-e-a-literatura-negra. Acesso em: 12 jun. 2023.

BEYONCÉ. ***Flawless ft. Chimamanda Ngozi Adichie. Music video by Beyoncé performing ***Flawless. (C) 2013 Columbia Records, a Division of Sony Music Entertainment. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=IyuUWOnS9BY. Acesso em: 14 mai. 2015.

FERNANDES, D. A. O gênero negro: apontamentos sobre gênero, feminismo e negritude. Revista Estudos Feministas, v. 24, p. 691-713, 2016.

GELELÉS. Alisando o Nosso Cabelo, por Bell Hooks. Disponível em:https://www.geledes.org.br/alisando-o-nosso-cabelo-por-bell-hooks. Acesso em : 12 de março de 2023.

GONÇALVES, J. R. Como escrever um artigo de revisão de literatura. Revista JRG de Estudos Acadêmicos, Brasil, São Paulo, v. 2, n. 5, p. 29-55, 2019. DOI: 10.5281/zenodo.4319105. Disponível em: http://www.revistajrg.com/index.php/jrg/article/view/122. Acesso em: 5 abr. 2025.

GONZALEZ, Lélia. Entrevista concedida a Mali Garcia para o documentário “As Divas Negras do Cinema Brasileiro” produzido por Ras Adauto e Vik Birkbeck para a Enugbarijo Comunicações. 1989.

GONZALEZ, Lélia. Nossa fala estilhaça a máscara do silêncio. In: Carta Capital. 13 de maio de 2017. Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/sociedade/conceicao-evaristo-201cnossa-fala-estilhaca-a-mascara-do-silencio

KILOMBA, GRADA. Memórias da plantação: episódios de racismo cotidiano. TRADUÇÃO de Jess Oliveira. Rio de Janeiro: Cobogó, 2019.

RIBEIRO, Djamila. O que é lugar de fala?. Belo Horizonte: Letramento, 2017. Feminismos Plurais. Horizontes Antropológicos. 2019.

RIBEIRO, Djamila. Pequeno Manual Antirracista. São Paulo: 1ª Companhia das Letras, 2019.

RIBEIRO, Djamila. Quem tem medo do feminismo negro?. São Paulo: Companhia das Letras, 2018.


[1] Trecho da música ***Flawless, lançada no canal do Youtube beyonceVEVO em (2014), onde em certo momento da música inicia-se o áudio da palestra de Chimamanda no TEDxEuston (2012). O trecho foi traduzido pela autora do presente trabalho.

[2] O termo interseccionalidade, entrou em uso como uma partido do ano de 1989 quando foi usada pela jurista e professora Kimberlé Crenshaw, em um artigo publicado chamado “desmarginalizando a intersecção de raça e sexo: uma crítica feminista negra da doutrina antes discriminação, teoria feminista e políticas anti-racistas.

[3]O discurso de Sojourner Truth, foi proferido como uma intervenção na Women’s Rights Convention em Ohio nos Estados Unidos. Sobre os direitos das mulheres, Sojourner se levantou para falar após ouvir das pessoas presentes que mulheres não deveriam ter os mesmos direitos que os homens, pois eram frágeis e intelectualmente lentas, por que Jesus foi um homem e não uma mulher e que a primeira mulher havia sido uma pecadora. Discurso ficou internacionalmente conhecido, porém, para este trabalho, retiramos do livro “Quem Tem Medo do Feminismo Negro” da escritora de Djamila Ribeiro.

** Marlyane Rogério da Conceição

Assistente Social –  CRESS: 33796

Especialista em Políticas Públicas – FAVENI

Mestranda em Desenvolvimento Regional, Ambiente e Políticas Públicas – PPGDAP/UFFConselheira doConselho Municipal dos Direitos da Mulher – COMDIM

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