Nosso entendimento do Universo envolve três dimensões físicas que marcam a posição no espaço: altura, largura e profundidade (x, y, z), e uma quarta dimensão abstrata que, associada às outras três, define os movimentos: o tempo. Arqueólogos e outros especialistas encontram com frequência monumentos relacionados a movimentos do sol e das outras estrelas, são construções sofisticadas em que no solstício ou no equinócio um raio de sol é projetado com precisão a determinado ponto. À parte de delírios que atribuem isso a alienígenas, o que se vê é a manifestação de uma ciência humana com foco em algo que preocupava realmente as civilizações mais avançadas da antiguidade, determinar e registrar com precisão o tempo e a sua passagem.
Um dos mais antigos documentos escritos nos deixa a lição: “Tudo tem o seu tempo determinado, e há tempo para todo o propósito debaixo do céu. / Há tempo de nascer, e tempo de morrer; tempo de plantar e tempo de colher o que se plantou […]” (Eclesiastes 3). Povos que viviam da agricultura precisavam saber esses tempos, assim como os caçadores/coletores, equívocos no plantio e colheita ou na busca da caça podiam resultar em fome para todos. Em outro nível, astrônomos e astrólogos dedicavam-se a estudar o movimento dos astros, e disso resultaram calendários avançados em que constavam até datas de eclipses solares ou lunares. Entender o espaço, as dimensões do sistema solar e as de nossa galáxia, ter noções das medidas envolvidas é essencial para situar a humanidade no tempo fora do humano e o estabelecimento da nossa civilização.
No entanto, mais profundamente que isso, relacionar a noção de que o tempo passa com a consciência da mortalidade, somos os únicos dentre todos os animais que sabemos que morreremos e isso determina religiões e culturas. As maiores obras de arte e a melhor literatura da humanidade estão ligadas de algum modo a essa finitude: pirâmides e mausoléus foram construídos não apenas para perpetuar a memória de reis e faraós, mas na tentativa de garantir que vencessem fisicamente a morte, vencessem a transitoriedade enfim.
Vivemos imersos em um tempo que parece cada vez mais veloz e caótico, nas cidades temos poucas oportunidades de viver lentamente a passagem das estações, recebemos quase sempre notícia de que o verão ou o inverno chegaram através de telejornais, então percebemos que esquenta, que esfria, que chove, e que talvez seja tempo de férias, ir em busca de praia ou montanha por alguns dias.

As datas comemorativas, efemérides, são recursos importantes de sanidade e equilíbrio, muito mais do que a associação eventual a feriados ou lazer nos dão ideia real da passagem do tempo; com frequência comenta-se a rapidez com que o ano passou, datas comemorativas parecem acontecer novamente quando ainda não haviam “passado”. Mas aniversários, carnaval, páscoa, festas juninas, natal, e outras datas de comemoração religiosa ou cívica definem os anos que vivemos e os tornam parte integrante de nossa vida. As escolas têm conhecimento disso e promovem sempre com e para seus alunos os momentos de importância para a comunidade, para o país e para a própria escola. Marcar o tempo determina a dimensão da vida cotidiana, festas coletivas estruturam a vida das comunidades e trabalham nossa empatia, solidariedade e senso comum, nos fazem brasileiros, ou ingleses, ou franceses, com datas importantes que lembram nossa nacionalidade e a história que nos constitui.
Aquilo que não somos nós chamamos estrangeiro, palavra que utilizamos para marcar a diferença e o estranhamento com relação ao outro, seja esta positiva – adoramos aqueles que vem de países mais desenvolvidos e com maior qualidade de vida, ou negativa, aqueles que vem de lugares que consideramos muito pobres e desassistidos. Tal ideia marca o convívio entre nós e os outros, o conhecido e o desconhecido, o civilizado e não-civilizado, do comum com o exótico. São as culturas que definem as formas como interpretamos os outros como estrangeiros ou não, como pertencentes ou não-pertencentes ao nosso universo, aos nossos códigos de convivência, e historicamente são muitos os períodos de exceção, quando o considerado normal, pode tornar-se anormal.
Governos com políticas autoritárias tem por hábito definir aqueles que pertencem e os não-pertencentes, como aconteceu na Alemanha com relação ao povo judeu, que antes eram iguais, mas agora precisam ser encaminhados a Auschwitz, ou seja, precisam ser separados, segregados, perseguidos e, por que não? exterminados. Apenas um bom processo educativo pode combater o preconceito, esclarecendo quem somos porém compreendendo aquilo que não somos, em nome da mais intensa identidade advinda da afetuosidade, dimensão humana por excelência: altura, largura e profundidade dos nossos sentimento ao longo dos tempos.
Wanda Camargo – Educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil.

Excelente artigo. Acrescento uma pimentinha: não somos os únicos animais a termos consciência da morte. Sabe-se que os elefantes, quando pressentem seu fim, dirigem-se para um determinado “cemitério” e lá aguardam seu desfecho. Será que outros animais e mesmo plantas não teriam essa sensibilidade?
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