No caminho havia uma Ponte, havia uma Ponte das Garças no caminho – parte 2.

A Ponte das Garças é patrimônio tombado pelo Conselho Municipal de Cultura de Três Rios, através da Lei Municipal nº 1919 de 23/02/1994, DC n. 2.113 de 26/06/1997.

Considerada a maior obra de engenharia da estrada União e Indústria, foi edificada sobre o rio Paraíba do Sul, com 153 metros de extensão, três vãos de 51 metros e pilares de 1,80 metros de espessura. As vigas da cabeceira mediam 5,30 metros de altura e largura de 5,50 metros, “formando uma caixa em treliça metálica montada no local. O engenheiro José Keller, responsável pelas obras Aquém Paraíba, acompanhou de perto o serviço de montagem das peças importadas da Inglaterra. ” (DAVID, 2009, p. 107)

Foram utilizadas 300 toneladas de ferro, 12.000 tijolos e 78 metros cúbicos de madeira empregada no soalho.

Com a chegada dos trilhos da Estrada de Ferro D. Pedro II a Entre-Rios, a Companhia União & Indústria “fica totalmente sem cargas, pois não fazia sentido pagar mais caro e levar mais tempo transportando o café da Zona da Mata Mineira para o Rio de Janeiro, apenas para utilizá-la. ” (DAVID, 2009, p. 189)

Imagem 6: Planta da Estrada União e Indústria, destacando-se a Estação de Entre-Rios, a Vila da Paraíba do Sul e a Ponte de Entre-Rios, atual, Ponte das Garças. “Planta e Perfil Longitudinal da Estrada da Companhia União e Indústria.” (KLUMB, 1995, p. 189)

Pelo decreto 4.320 de 13 de janeiro de 1869, D. Pedro II transfere os bens desta empresa para a Estrada de Ferro D. Pedro II, assumindo o comando da maior ferrovia do Brasil, no dia seguinte, o Comendador Mariano Procópio F. Lage, o que comprova a sua boa relação com o Imperador.

No decorrer dos anos, a Ponte das Garças sofre modificações, tanto para receber os trilhos da Estrada de Ferro Leopoldina Railway, quanto pela construção, ao seu lado, de uma ponte para a estrada rodoviária, tendo em vista o crescimento urbano de Três Rios para além da margem direita do rio Paraíba do Sul, em uma das “saídas” para a BR 040, que atualmente tem seu trajeto passando por fora do centro da cidade, ligando o Rio de Janeiro/RJ a Juiz de Fora/MG. A construção da ponte de concreto não tem sua data conhecida pelos pesquisadores da cidade. No jornal “Arealense”, de sábado, 09 de janeiro de 1926, [1] um acanhado texto, sem autor, ajuda a esclarecer esta dúvida: “O pontilhão sobre o macadam, próximo à Ponte das Garças, foi substituído por uma boa e bonita ponte de cimento armado”; sendo possível que a fotografia 10 seja o registro desta obra


Imagem 7: : Desenho realizado da imagem 1 (ver primeira parte deste artigo), presente no livro de Klumber, que na introdução afirmou: “Esta obra não tem o merecimento se não o de ser: o primeiro guia ilustrado de desenhos copiados da fotografia.” (KLUMB, 1995, p. 123, desenho na p. 154) Vê-se à direita a Fazenda das Garças, ausente no citado registro.

Pode-se considerar que a nota seja pequena para uma notícia importante, mas este informativo apresentava-se com artigos maiores na capa e parte da página 2, e pequenas notas nas 2 e 3, e a publicidade tomando o espaço total da página 4. (ver meu artigo: O Jornal “Arealense”: análise de uma mídia impressa no interior do Estado do Rio de Janeiro do início do século XX. Disponível em https://www.revistacontemporaneos.com.br/n11/dossie/dossie7-arealense.pdf) Não existe, também, próximo ao local nenhuma outra ponte, mesmo menor, que pudesse ter noticiada sua construção.

Na fotografia 8, visualizam-se as alterações realizadas na ponte, no seu lado esquerdo, para que pudesse receber os trilhos da Estrada de Ferro Leopoldina, permanecendo ainda os seus pilares originais. O morro à esquerda e ao fundo difere da imagem 1 (ver primeira parte deste artigo) por não possuir mais a sua mata original, consumida a sua madeira com a derrubada das árvores no decorrer dos anos.

Imagem 8: Neste registro realizado entre a década de 1930 e início de 1940, observa-se um ônibus da Viação Rio-Minas da linha Rio/Juiz de Fora e o seu motorista, que posa ao lado do veículo, na ponte rodoviária construída ao lado da Ponte das Garças. Ao fundo, destaca-se à direita, a Fazenda das Garças. Sem informação do fotógrafo, pertence ao acervo Sr. Altair.

Ao fundo, à direita, aparece a Fazenda das Garças, casarão de estilo neoclássico construído em 1860, pertencendo, juntamente com os 80 hectares do seu entorno, a três gerações da família Werneck Santos – na época desta fotografia eram proprietários o Sr.º Álvaro Werneck e sua esposa Eliza Werneck. Foi vendida em 1997, pela viúva de Antônio Luiz Werneck Santos, ao empresário Isaias da Silva, que no mesmo ano iniciou a demolição do prédio com intenção de construir uma moradia moderna. Abandonado o projeto, o casarão e demais construções foram “esquecidos”, sem preocupação com sua integridade, o que determinou a ação de vândalos e a sua destruição no início deste século.

Analisando a fotografia, o engenheiro e historiador Eduardo G. David afirmou que “pelos meus cálculos [esta ponte] deve ter uns 6,20 metros de largura, inferior à atual [2], que tem uma passagem de pedestre na lateral.” Comparando com a imagem no recorte da fotografia 10, tem-se que a estrutura metálica não foi modificada desde a realização deste registro.

Em destaque, também, o ônibus da linha Rio/Juiz de Fora e ao lado, seu motorista. Este modelo tinha carroceria nacional e mecânica americana. Da marca “International”, provavelmente foi fabricado no ano de 1934, sendo do tipo C-1, construído pela Empresa Grassi, fundada em 1904 por iniciativa dos irmãos Luiz e Fortunato Grassi, que possuía oficinas no nº. 37 da Rua Barão de Itapetininga, em São Paulo/SP. Modelo semelhante realizava o percurso entre Juiz de Fora/MG e Entre-Rios/RJ, no ano de 1935.

Imagem 9: Nesta imagem vê-se a Casa do Pedágio, parecendo não estar mais em condições para servir de moradia, nada indicando que estaria sendo utilizada à época. Na borda inferior à direita, os trilhos da Estrada de Ferro Leopoldina, que passavam bem à frente. Registro com aproximação temporal entre a década de 1900 e o final da década de 1930, com fotógrafo desconhecido, acervo Sr.º Altair.

Logo no início do trecho da estrada União e Indústria, na direção que levaria à Estação Rodoviária, havia a Casa do Pedágio, chalé de madeira no estilo de todas as construções da empresa, que era utilizada também, como residência do guarda cobrador e sua família.

Nas imagens 9 e 10, a construção destaca-se bem próxima a Ponte das Garças e a linha da estrada de ferro. Alguns memorialistas afirmam que, nos dois registros, temos a figura do importante cronista do jornal “Arealense”, o Antônio Villela de Carvalho Junior – “Totonho Villela”, que assinava seus artigos com o pseudônimo de “Vê Jota”, na figura do sujeito mais velho. Na primeira imagem, este indivíduo encontra-se no segundo degrau da escada, mas como veremos adiante não é Vê Jota e sim seu pai..

No recorte da fotografia 10, percebe-se que a estrutura metálica não se assemelha à original, (compare com a imagem 8) provavelmente ocorrendo esta mudança para a sua utilização como ponte ferroviária. A composição nesta fotografia, é diferente da observada na fotografia 8, que se assemelha, em muito, às condições atuais, conforme se vê nos registros 13 a 15. Além disso, aparece, também, no recorte, o que seria a construção ou revitalização da ponte rodoviária: as imagens confirmam que as fotografias 9 e 10, no seu ato-fotográfico, são anteriores ao registro da fotografia 8.

Imagem 10: Neste registro tem-se evidenciado ao fundo, a Ponte das Garças, alterada na sua configuração inicial, para receber os trilhos da Estrada de Ferro Leopoldina Railway, e o que parece um trecho em obras da atual ponte rodoviária, sem as proteções nas suas laterais. Fotografia tomada entre a década de 1900 e o final da década de 1930. Sem informação do fotógrafo, acervo do Srº Altair.
Imagem 11: Recorte da fotografia 10, onde se observa, com mais clareza, a Ponte das Garças, “dividida” numa ponte metálica, que recebeu os trilhos da Estrada Leopoldina Railway, com uma estrutura diferente da atual, e que pouco lembra a original; e à sua direita, a ponte rodoviária em construção ou manutenção, tendo no centro o que parece uma pequena cabine

No relatório do presidente da Província do Estado do Rio de Janeiro, Drº Alberto Seixas Martins Torres, de 15 de setembro de 1899, declarou ele:

“Reconhecida a Leopoldina Railway Company Limited como continuadora da Companhia Leopoldina (…) foi-lhe concedido (…) privilegio para a construção [grifo nosso], uso e gozo das estradas de ferro do Areal a Entre-Rios (…)” [2]

Desta forma, podem-se estabelecer dois marcos temporais limites para as fotografias 9 e 10: 1900, ano de chegada dos trilhos da Leopoldina em Entre-Rios, e o final da década de 30, corroborado, também, pela informação do jornal Arealense, analisado anteriormente.
Em pesquisa realizada no acervo dos exemplares do jornal Arealense, na Casa de Cultura de Três Rios, encontram-se artigos assinados por “Vê Jota”, em publicações das décadas de 1910 e 1920, do século passado. Na edição de nº. 600 do referido jornal, comemorativa dos 12 anos de sua fundação, que circulou em 13 de abril de 1912, seu editor, Luiz Bravo, em um artigo agradece a alguns dos colaboradores, relacionando entre esses o Sr. Villela Junior.

Imagem 12: Sr.º Antônio Villela Junior.

Recorrendo ao historiador Hugo Kling, este afirma que Antônio Villela Júnior era seu “colega na idade”. O primeiro nasceu em 1899, falecendo em 1979, e o segundo era onze anos mais velho, nascido em 1888, vindo a falecer em 28 de abril de 1974, visto na fotografia 12, que foi extraída do jornal O Cartaz, na sua edição de nº. 138, de 4 a 10 de maio de 1974, que noticiou a sua morte.

Escreveria então para o jornal com idade entre 22 a 32 anos; assim, um dos sujeitos mais jovens presentes na fotografia 10, é o Sr. Antônio Villela Junior, e não o de mais idade, presente nos dois registros.

Esta análise confirma a opinião do Sr. Altair Tavares, de que seria o nosso cronista o indivíduo de terno cinza à esquerda do homem mais velho. Como Villela Junior possuía um irmão mais novo, é provável que tenhamos o seu pai, Antônio Villela de Carvalho, à direita, e seu irmão à esquerda de terno branco. Não foi possível identificar o senhor último a direita, um pouco afastado do grupo.

Antônio Villela de Carvalho veio a falecer nesta cidade no dia 8 de julho de 1940, conforme noticiado no periódico Entre-Rios Jornal [3], que informa, ainda, que nasceu na localidade Ponte das Garças, (este bairro cresceu nos dois lados do rio Paraíba do Sul) em Entre-Rios, no ano de 1864, sendo seus filhos, Antônio Villela Junior, Julia Villela Pereira, Alice Villela de Freitas, Adalgiza Villela Medeiros, Inaya Villela de Medeiros e José Villela de Carvalho. A data de sua morte delimita o recorte temporal da realização das fotografias 9 e 10. Não há informações a respeito mas a presença do Sr Antônio Villela de Carvalho nas duas imagens e o fato de seu nascimento ter ocorrido na referida localidade, abre a possibilidade de seu Antônio ter sido cobrador do pedágio na Ponte das Garças ou seu pai, tendo morado então na Casa do Pedágio, imagem 9.

imagem 13: Ponte das Garças, imagem da sua parte utilizada como passagem para a estrada de ferro e que atualmente é apenas uma passarela de pedestres. Tendo em vista a sua importância para a definição do local onde seria construída a Estação de Entre-Rios, núcleo urbano inicial da Vila de Entre-Rios, este monumento arquitetônico merecia maiores esforços para a sua preservação. Registro fotográfico de outubro de 2011, acervo André Mattos.
Imagem 14: Ponte das Garças e sua passarela de pedestres. Com mais detalhe, a presença de ferrugens nas partes de metal. Fotografia de outubro de 2011, acervo André Mattos.
Imagem 15: Ponte das Garças em um registro de posição similar à da fotografia 39, permitindo perceber as mudanças ocorridas em 140 anos, desde a sua inauguração, com evidentes sinais de falta de manutenção nas estruturas de metal; e o grande desmatamento ocorrido nos morros. A ponte tem atualmente de pista 7,50 metros
de largura, e um metro de cada lado de passarela, totalizando cerca de 9,50 metros. Acervo André Mattos, outubro de 2011
.

Uma das principais perdas na Ponte das Garças no decorrer dos anos está na eliminação de seus pilares, como se pode constatar na confrontação das fotografias.

Três Rios deve, definitivamente, tendo em vista a construção da Ponte das Garças, a sua localização ao mineiro Comendador Procópio Ferreira Lage, ao Antônio Barroso Pereira, o Barão de Entre-Rios e à Ponte das Garças.

Alguns personagens históricos são celebrados como potenciais fundadores da cidade, entre eles, a Condessa do Rio Novo e o Barão Ribeiro de Sá, que como veremos em outro artigo a ser publicado, realizaram ações que contribuíram para a organização e crescimento dos espaços de relação social da antiga vila.

Mas apresenta-se de real importância, como marco histórico e elemento definidor do local onde surgiu o primeiro núcleo urbano da Vila de Entre-Rios, a Ponte das Garças, sem a qual, muito provavelmente, a história e as memórias deste município, do interior do Estado do Rio de Janeiro, seriam bem diferentes.

Referências:

[1] PONTE de cimento armado. Arealense. Três Rios/RJ. Ano XXV, sábado, 9 de janeiro de 1926, nº 1.254, p. 3.

[2] Relatório da Província do Rio de Janeiro de 1899, digitalizado na pagina da Center for Research Libraries – Global Resources Network: Provincial Presidential Reports (1830:1930) Rio de Janeiro/RJ. Disponível: http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u869/000033.html. Acesso em: 14 de set. 2011.

[3] ANTONIO Villela de Carvalho. Entre-Rios Jornal. Três Rios/RJ. Ano VI, de 11 de julho de 1940, nº. 287, capa.

DAVID, Eduardo Gonçalves. A mula do ouro: paixões e dramas por trás da construção de rodovias e ferrovias na única monarquia das Américas. Niterói/RJ: Editora Portifolium, 2009.

KLUMB, Revert Henry. Doze horas em diligência – Guia do Viajante de Petrópolis a Juiz de Fora. In: Anuário do Museu Imperial – Edição Comemorativa. Petrópolis/RJ: Editora Gráfica Serrana, 1995.

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