Desde muito tempo se procura, mesmo em visão pacifista, conexões entre educação e o campo das atividades bélicas. Afinal, treinar soldados sempre foi uma necessidade premente, muito antes do aparecimento da ideia de educação massiva como forma de produzir melhores cidadãos.
As relações entre matemática, física, atividades físicas, educação humanitária, ética, paz e guerra na história do mundo, aparecem ao lado da história militar: um grande artista como Leonardo da Vinci, considerado um dos maiores gênios de nossa civilização, era cientista, matemático, engenheiro, inventor, anatomista, pintor, escultor, arquiteto, botânico, poeta e músico; suas contribuições à ciência incluíam muitas pesquisas bélicas, pois é inegável que a física e a matemática ajudaram a desenvolver as artes da guerra.
A partir do final da Segunda Guerra Mundial, as guerras quentes, efetivamente travadas em diferentes campos de batalha, prosseguiram em diferentes dimensões – exterminando populações, mobilizando gastos astronômicos em âmbito mundial -, mas criamos também outra modalidade, as guerras frias, igualmente com excepcional capacidade de alterar a economia mundial e eliminar pessoas.
Guerras de qualquer tipo, ao menos enquanto não destroem totalmente uma região, tendem a reorganizar o ensino, levando-o a se tornar mais patriótico, nacionalista e cívico, principalmente com as crianças, para provocar um sentimento de que o amor à pátria vem inclusive antes do amor à família, o coletivo antes do individual.

A derrocada da União Soviética, cujo símbolo mais conhecido foi a queda do muro de Berlin, marcou o fim dos sonhos e expectativas de parte importante da humanidade. Já no início dos anos 1950 as revelações acerca da barbárie de Josef Stalin e do período stalinista destruíram as ilusões de muitos sobre as qualidades do regime comunista e de ditaduras de partido único ainda que cheias de excelentes intenções.
Segmentos da intelectualidade de esquerda viram-se “sem chão”, sem base racional para suas crenças solidárias, humanitárias e busca de justiça social. O comunismo, dito por muitos como a religião laica de nosso tempo, fundava-se como toda religião na salvação de quem aceitasse seus dogmas, e apenas desses.
Infelizmente, os milhões de camponeses mortos de fome ou sumariamente fuzilados para a implementação do primeiro “plano quinquenal” soviético, os milhares de políticos e intelectuais comunistas assassinados apenas por perturbarem as considerações paranoicas do “guia genial dos povos”, todo o sofrimento causado por ideias ditas generosas em todos os quadrantes da Terra, nada serviu de comprovação do ideal de solidariedade entre os homens e os povos.
A União Soviética atingiu seu objetivo após o final da Segunda Guerra Mundial, com o estabelecimento de sua esfera de influência abrangendo praticamente toda a Europa Oriental, e protegida pela “cortina de ferro”, a Rússia voltou a ser o centro de um império similar ao que o Czarismo controlou em seu ápice. Isso não foi mantido de forma pacífica, muitos países procuraram se libertar do jugo de Moscou, como a Hungria em 1956 e a Tchecoslováquia em 1968; essas veleidades terminaram sob os tanques russos.
A bem da verdade, o “mundo livre” também cometeu seus muitos pecados: intervenções diretas no Vietnam, Granada, Iraque, Afeganistão e muitas outras, bloqueios comerciais como o de Cuba, patrocínio de golpes de Estado em praticamente toda a América Latina. Atrocidades foram cometidas e pessoas foram mortas em profusão em vários quadrantes da Terra por regimes de direita. Ditaduras, de direita como de esquerda, trucidaram, violentaram, torturaram, mataram com vontade e gosto em todos os perfis ideológicos.
Idealismo é um impulso poderoso, a busca e dedicação a caminhos generosos, sinceros ou não, certos ou errados. Muito do melhor, e do pior, que a humanidade já construiu o foi por meio de ideais e idealistas. Houve idealistas que, perdendo a fé na “revolução social”, trilharam caminhos mais amplos abrangentes a muito mais do que ao homem, sua sociedade e sua economia; focaram sua energia física, intelectual e espiritual na própria sobrevivência do planeta, na revolução ambiental, já que guerras, além de destruir o arcabouço político e econômico, importante para a sobrevivência e o bem-estar das pessoas e das sociedade, são incompatíveis com a preservação do planeta, sem o que não haverá futuro ou bem-estar.
Todo conflito, lamentavelmente, não destrói apenas a economia dos países nela envolvidos, mas também a de uma série de outros que com eles comerciam, compartilham destinos turísticos ou bens culturais. Ou seja, agressões, batalhas e luta armada não são exceções e sim acontecimentos considerados necessários e conscientes, suscetíveis de análise e que se repetem periodicamente.
Guerras costumam interromper as atividades educacionais, impedindo o acesso dos mais jovens ao conhecimento, às brincadeiras, ao amadurecimento e principalmente à confiança no futuro. Promovem um retrocesso nas pesquisas que não sejam voltadas especificamente aos processos de fabricação de armas ou espionagem, aos melhores métodos de matança generalizada e de algumas torturas mais eficientes, sejam elas físicas ou psicológicas.
Crianças e jovens perdem toda a referência de inter-relacionamentos, indispensáveis na construção saudável de suas personalidades; perdem um tempo precioso na fase em que mais evoluímos cognitivamente, sofrem prematuramente com perda de pessoas, de patrimônio pessoal e cultural, de seus animais prediletos, dos passeios com familiares, muitas vezes são machucadas, enfrentam longos período de dores e veem seu mundo ser destruído. A eliminação da infância é o fato muito mais cruel e perigoso de toda guerra.
Por Wanda Camargo – educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil.
Para ler mais sobre o tema:
Irena Sendler: “Eu não sou nenhuma heroína”: diz a mulher polonesa que resgatou mais de 2.500 crianças para fora do gueto em maletas de médico durante o Holocausto. Acesso: https://fabiosa.com.br/lbmmb-ctins-rsnn-auivl-pbjgo-mulher-polonesa-resgatou-mais-de-2-500-criancas-holocausto/
